Submergir

Penso que cada um tem um ou outros afogamentos em si, carregando pra lá e pra cá um peso em ser quem se é, e tão naturalmente. Mas ser quem sou depende só de mim? Ou de certo não me recordo de muitas das vezes em que me vi empurrando uma pedra maciça de cumprimento de ações e expectativas: minhas e deles. Carreguei sozinha. Me condenaram a rolar quase que uma pedra de Sísifo. Nessa falsa necessidade de adianto da vida, da infância, da crueldade, da informação, do tempo, rolar a pedra não faz sentido nenhum e isso é o que cansa o percurso, a falta de sentido. Levando a pedra dia após dia, ciclicamente, não importa mesmo apressar o passo para atingir o ponto almejado por mim ou por eles, já que do fim não se sabe, de fato. É apenas uma observação. Talvez os dias sejam todos iguais e a correnteza só é outra a partir do momento em que nós queremos que não seja mais a mesma, pela participação mútua, pela corresponsabilidade. Somos quem somos em meio ao todo e mergulhados entre a luz e as sombras. Aí é que travamos a batalha contra a inércia, pelos próprios nós não desatados e acumulados com o passar dos anos, por precisar decidir avançar. A energia perde a capacidade de movimento se permanece presa entre o embolar. Então, o outro lado do nó é a correnteza do rio, que é constante, leve e abundante e sempre, esperando pela transmutação ativa e submersa dos seres mergulhadores. Afundar com leveza nos resquícios atingíveis da verdade, ver e sentir o que há diante de mim com profundidade, fluo e flutuo, assim, sustentando a pedra que agora é pena.

Amanda R Silva
Enviado por Amanda R Silva em 24/10/2018
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