Atlas

Ter que acordar todos os dias como Atlas: carregando o peso do mundo nas costas (Helicópteros voando por entre as matas), é o preço que se paga em uma rotina chata. Há quem precise matar um leão por dia, mas o desespero que se passa da janela é muito pior que correr do leão faminto e ainda ser devorado no final da história. Como um chafariz que só escorre pedras e um instrumento que se expresse mudo: sumir da cama é um trabalho de Hercules, para àqueles que veem no óbvio, absurdo. Controlar um impulso netuniano de fúria: querer afogar tudo numa bacia das almas, e expor o óleo negro que sairá do murmúrio, que é o âmbar de uma natureza sem volta. A vida é quem nos dá algo, mas não entrega; que, dedo em riste, ainda o acusa de roubo; que pede socorro, mas te arma emboscada. A vida é visão mais bela, perante a um cego. Tão doce, que no fim deixa a língua amargar- um arroubo de ilusões perdidas no tempo. Amor ao contento, que no fundo o faz odiar- um assopro de viscerais emoções ao vento. Levantar com o fardo do homem inocente, que pena a vida por uma desgraça alheia, é a trágica sina de uma manhã indecente: vem do alto o sol quente- e a pasmaceira. Qualquer porre que seja, é só um placebo, é preciso mais que coragem para suportar. Noivo no altar, náufrago ao mar, um pesar... é preciso muita coragem, agora eu percebo! O caminhar na cozinha, e o odor que exala, é um gatuno da existência humana na terra. O piar do fogo, o coaxar das panelas... Na sala, há o espelho egoísta, que um conselho nos narra:

“A paz, humano, é uma ilusão que se encerra. A sorte, em tempos de guerra, é um instinto. Sugar da vida o tutano, e, contra a maré, remar, é o melhor que se faz!”.

Mas e o peso que sinto?

“Esse é o peso da morte, no corredor anunciada. Quem a espera sem medo, enfrenta o demônio, mas, ao fim, bebe do cálice, com frescor de água e gosto de vinho. Então, vem o derradeiro sono”.

Sábias palavras, olhei o espelho. Subo a escada, com um café desperto, a gravidade se espessa, mas subo assim mesmo, trilho a minha estrada. Memórias, à esmo, me afligem: respiro à mesa. Alimento-me de saudade e do ar fresco ao redor. Melhor que pão xoxo, leite azedo e o chá morno. Agora, em tudo há cheiro de novo: a leveza do ser, a dureza do ego, a velha razão, e tudo ao entorno...Levanto-me para sair, encaro a porta e o destino: Ser linha de frente no exército de um homem só. De peito aberto, aceitar o inimigo, e ver o fascínio, de olhar incerto, do povo lá fora, que é de dar dó. Piso na grama, calafrios trespassam, e o horizonte se encontra angelical, em tons de cinzas azulados. A sensatez faz então perceber um antes descrente, que, na vida, de pouco em pouco o peso é levado.