Reconstrução
Certa vez, aprendi com um monge descabelado a construir ruínas, embora ambos saibamos que a ruína é uma desconstrução. Cresci com pretensões à cavalheiro. Nobre, quis tornar-me um engenheiro da palavra com especialização em arquitetura das letras. A quem quer que me perguntasse a profissão dizia-lhes com estupefato orgulho: reescritor. Muitos curiosos buscaram a definição precípua da palavra nos dicionários.
- Reescritor? Tu inventastes isso, não é? Confesso que nunca os compreendi muito bem. Todas as palavras foram criadas por alguém. A de quem a próxima há de vir? Não sei. Apenas me é sabido que tenho ofício a desconstrução dos átomos linguísticos e a renascença dos monemas. E o que é a ruína senão o destino de toda construção? Não há apólices à prova do fim. A morte é incorruptível e justa.
Talvez, seja este o maior de meus caprichos e atrevimentos: construir uma ruína para abrigar a palavra saudade. A palavra saudade está vazia, não tem ninguém dentro dela. Durante muito tempo, poeta, eu me perguntei se a saudade era um sentimento bom ou ruim. Sacrificar o amor em troca da imortalidade. É o que me parecia. É o que me parece!
Para sentir saudade é necessário negar o presente. Trazer à tona uma lembrança querida d'onde jaz passado. É preciso deixar que a dor alimente nossos medos e nos faça sofrer. Em parte, pela suposição da perda inegociável. Em parte, pela negação do esquecimento que há de vir.
A que vejo, poeta, o homem que nada possui teme perder as coisas que pensa ter. Descobrirá um dia, por este motivo, que nunca teve nada a perder? Eis aqui a maior prova dos que amam. Deixar ir sem deixar de amar o que se foi. Eu queria construir uma ruína para a palavra saudade. Talvez ela renascesse das ruínas como do perdão pode nascer o Amor. Mas, neste exato momento, o que eu realmente mais queria era que monge estivesse aqui para ouvir a súplica de meu silêncio, descabelado.