Era Medo

Eram dois olhos na escuridão soltos e flutuantes que me deram medo. Era a altura da pressa que me deixou sem fôlego em intermináveis instantes. Era a água salgada feito vidro que tapava e não tapava o sol que quase me matou. Era o choque e o dedo preso na tomada até que alguém me puxasse. Era a estrela que não veio no meio da noite pra espantar o pássaro que aziago cantava sem que se visse nada à não ser escuridão. Era o tombo e era a surra e a perseguição por si só de uma maldade que estava onde deveria estar o que era bom. Era a sensação de ridículo e o amor torvo e torto que não era mais impossível por ser um só. Eram os olhos doendo e o corpo doendo em manhãs intermináveis de um sofrimento que não se pediu. Era a lâmina da faca invisível que brilhava no nada esperando a sua vez. Era a sofreguidão de um canto escuro em que velhas fotografias de poses grotescas acompanhavam o que não teve razão. Era a fumaça do primeiro cigarro fazendo seus fantasmas mais sutis no quarto desarrumado e solitário. Era o corpo inteiro pela metade no não tem mais jeito porque a brincadeira já está feita e o mau gosto veio pra jantar. Era você comigo sem propósito algum em algo sem sentido e ao mesmo tempo malvado. Eram todos as cores que eu não queria e todas as velas que o vento apagou em má hora. Eram sons vindo de longe como gargalhadas insanas maltratando meus ouvidos com as mais duras realidades que não se dizem à ninguém. Era como um estado de sítio e um carro na contra mão e mais que o se pode imaginar mesmo quando não se quer. Era o cheiro enjoativo do fim e o cheiro das flores da morte e o perfume barato das putas e o não perfume de todas as carpideiras em um só ao mesmo tempo. Era o beijo mal dado de língua e o protesto solitário na praça abandonada. Era tudo e por isso não era mais nada...

Carlinhos De Almeida
Enviado por Carlinhos De Almeida em 10/09/2018
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