Poesia diária e outras afetações 2
Poesia diária e outras afetações 2
Apropriada para fins de tarde quando desaba a noite é a música do agora. Ou já vai alto o céu noturno sobre mim.
Às três da tarde, não me apetece ouvi-la, pois quando suo e sangro em sobrevivência. E o sol me fustiga sem complacência. Quando meu peito desmemoriado de sentimento não pode traduzir nem uma cor e canção.
Mas quando a escuridão engole minha lucidez....ah...aí então, é preciso esta porta de entrada ou saída para os meus delírios. A lua na cara. A luz da casa - vazia. A luta da estrada. Eu preciso desse ato deslumbrante da música. Assim como o homem que canta, a minha alegria permanece intacta neste fundo de veludo noturno. A minha loucura tem as notas desta partitura e é como uma delicada avenca que cultivo diariamente - a dedo - como se numa epifania , arranhasse a guitarra de minha própria escuridade de ser do tempo, e tudo ficasse mais leve, mais suave, mais belo. Como se até a tristeza e a saudade tomassem rumos de alvorecer e florescessem. Como se o mundo não tivesse ainda perdido a ternura.
ao som da música One de U2.
Alessandra Espinola
2017
***
2
poesia diária e outras afetações 2:
esse país me cria bolsas de lágrimas nos olhos
e, incansavelmente,
derramo meus vazios sobre o chão
e como a caixa preta de um avião
desvendo-me voo e queda
descubro-me ícaro sem asas
fúria sem titã
corpo-massa cinza em combustão
decolagem e pouso na pista
de minhas (molhadas) interrogações
Alessandra Espinola
2017