As folhas da relva
Vocês que me escutam aí em cima! Você aí ....
algum segredo para me contar?
Me encare enquanto assopro o discreto poente,
Seja sincero, ninguém está te ouvindo,
só vou ficar mais um minuto.
Me contradigo?
Tudo bem, então .... me contradigo;
Sou vasto .... contenho multidões.
Me concentro nos que estão perto .... espero na porta.
Quem terminou o batente e vai jantar mais cedo?
Quem quer passear comigo?
Você vai falar antes que eu vá embora?
Ou virá quando já for tarde demais?
O falcão pintado dá uma rasante sobre mim e me acusa ....
reclama de minha conversa fiada, minha preguiça.
Também não sou facilmente amestrado ....
também não sou facilmente traduzível,
Solto meu urro bárbaro sobre os telhados do mundo.
A última nuvem do dia se demora por mim.
Lança minha semelhança após o resto,
fiel como todas nos ermos sombrios,
Me incita para o vapor e para o crepúsculo.
Vou-me feito vento .... agito meus cabelos brancos
contra o sol fugitivo,
Esparramo minha carne em redemoinhos
e a deixo flutuar em retalhos rendados.
Me entrego à terra pra crescer da relva que amo,
Se me quiser de novo me procure sob a sola de suas botas.
Vai ser difícil você saber quem sou
ou o que estou querendo dizer,
Mas mesmo assim vou dar saúde,
Vou filtrar e dar fibra a seu sangue.
Não me cruzando na primeira não desista,
Não me vendo num lugar procure em outro,
Em algum lugar eu paro e espero você.
(final do poema "Canção de Mim Mesmo",
em "As Folhas da Relva")