[Fratura [Sempre] Exposta]

... temos a mania de achar que só nós, nestes tempos modernos, sabemos das coisas! Somos espertos! É verdade, há uma construção de conhecimento formidável nestes milênios, mas eu duvido, duvido mesmo de que a Clitemnestra e o Egisto já não soubessem tudo sobre esse sempremente fatal jogo de amor e sexo!

Aliás, nestes dias labirínticos de tantas letras, eletrônicas ou de papel, vivemos a tatear sentidos vários. Descrentes, ou antes, faltos de coragem, empurramos nossas sonhadas formas de vida para além da utopia! Portanto, sem fazer jogo de palavras, é lamentável (é ruim, mas também é bom!) que nos interessemos por escritos justamente por que expressam uma carência de utopia... E mais: paradoxalmente, alguns escritos se tornam interessantes justamente por que são muito desinteressantes! Sempre haverá um louco tentando nos empurrar o embrulho enigmático em que ele envolveu a sua mensagem (será que me excluo? Não sei...) - uma mensagem que nada mais é que um arranjo pretensioso de fragmentos de outras tantas falas! Ah, Barthes tinha razão: o autor morreu! Mineiramente falando - sendo mineiro, eu detesto, mas às vezes uso o estereótipo - ele tinha... mas também não tinha razão - nada se sabe ao certo! E ter certeza não é a minha profissão, gosto do que fica em aberto... clamando por mais, pedido mais de mim - por que será?

Quando dei por mim, quando despertei, a minha existência já ia longe; passara dos cinqüenta, e os meus dias então começaram a voar. E nestes tempos em que eu ainda luto para tentar me refazer do susto de estar no mundo, não é raro que eu me ponha neste estado hipocondríaco de uma descrença arrasadora na humanidade e suas falas — certamente, é a carreira vertiginosa da vida que me faz considerar inútil tudo que ouço e digo. Pode-se chamar a isto de uma crise de endurecimento, mas, é assim que me sinto! Felizmente, sendo uma crise, vai passar... ou vai me matar de tanta ansiedade de mostrar a minha inutilidade se derramando em palavras! Sempre adorei aquela metáfora do rio da vida; mas agora, constatei que as águas deste rio são contaminadas por um veneno que nos mata rápida ou lentamente conforme seja mais ou menos intenso o ritmo do nosso debater em nossas ânsias de ser e ter... Por que é que fizeram esta crueldade de não me contar que as águas do rio da vida são envenenadas?

Afinal, de que serve falar sobre o amor e o sexo... e de que serve não falar, se é nisto que pensamos a maior parte do tempo? E sobre tantos outros temas da vida, de que serve falar ou silenciar sobre eles? Por que alguém escutaria a minha fala? O que mais fazer senão contradizer-me e continuar a falar; sim, falar que só a orgia do sexo pode me fazer esquecer que navego em águas traiçoeiras e venenosas, já vão me matar? E de reafirmar pela milionésima vez que eu não sei o que é o amor?! Eu o resto do mundo... que ironia!

Entre o sim e o não da fala, o que existe senão um fragmentado self que braceja para não se afogar na voragem destes dias malucos? Um self que tenta se conectar às nervuras mal-divisadas e inconstantes de uma realidade que se transmuta numa velocidade atroz, uma realidade em que a gente perde a memória do passado, perde a noção de seqüência temporal e vive um presente sem nexo — um self torturado pela angústia, pelo vazio da existência, pela iminência da queda ao fim da corrida sem prêmio, num infinito insondável — ou seja, um self pós-moderno, tal como definido alhures. Afinal, há um self???

O esquecimento: de quantas formas se pode praticar o esquecimento? Ainda haverá um concurso para definir qual é a forma mais vantajosa de esquecimento; quem sabe, a fórmula ganhadora passe a ser vendida nos supermercados!

Minha temporalidade exige muito de mim; passado da conta! Eu sou uma fratura exposta; e não há tratamento para curar-me!