Nós
Nós. Correndo de uma avalanche de novos metais sem sair do lugar. É assim a vida. Nos jogam no colo aquilo que não queremos e que fique desse jeito.
Nós. Tentando decifrar enigmas sem pé nem cabeça até que a exaustão nos feche os olhos. O réquiem está pronto. Só falta saber de quem.
Nós. Retratos de uma angústia urbana onde preconceitos são montados como o circo novo que chega na cidade sem sabermos de onde veio.
Nós. Pasto de feras. Vítimas de um crime que ainda não aconteceu. E olha que eu disse ainda. Porque o amanhã é uma clara dúvida que nos entorpece a alma.
Nós. É mais um número. Mais um lance. Mais uma cotação. Uma velha novidade. E assim mesmo o barco vai remando contra as mais soberbas marés.
Nós. Gritos sufocados pela multidão nos mercados. Pelas liquidações sem freios. Pelas ondas de camelôs que abarrotam as ruas. Pelo lixo que se amontoa pelas vias públicas.
Nós. O prato do dia. O sensacional da hora. A banalidade exposta na rede social. Os bits à mais no velho celular mais moderno. Quando iremos nos libertar?
Nós. A simplicidade mais complicada de todas. O rodopio mágico que ninguém acabou vendo. O sensacional esquecido em brancos versos. O inverso do inverso do inverso.
Nós. O sal esquecido da comida. O álcool em excesso em comedidas doses. A comédia que faz chorar. A fantasia que a realidade tramou. A máquina que não funcionou por estar tudo certo.
Nós. A barreira quebrada do som. A imagem fora de foco. A distância medida com rituais bárbaros e pagãos. O que não importa mais. O que restou no nada. Os quadrinhos esquecidos num canto e no tempo.
Nós. Os risos descontrolados. Os choros chorados com moderação extrema. A festa e o fausto. O incesto inocente de lindos rostos. A morte vinda à prestação e em suaves parcelas.
Nós. Cada um com seu absurdo. Cada um com seus versos de pé quebrado. Com sua imaginação óbvia. Com sua graça que escorreu junto com a chuva do dia passado. Era isso. Não é mais. Agora sim. As cores não combinaram de forma perfeita. Tudo é perfeitamente insano. Tudo perfeitamente quadrado em círculos que dançam e sabem até cantar.
Nós. A vítima com a arma do crime na mão. A oportunidade que falhou. A carta que o carteiro jogou fora. O anel que não deu em dedo algum. O sapato que não era de cristal. Nunca deu meia-noite. O relógio sempre prega peças.
Nós. Isso. Nós mesmos. Nós sim. Nós em vários e bem atados nós...
(Extraído do livro "Novos Textos Poéticos" de autoria de Carlinhos de Almeida).