A SENDA INEVITÁVEL
Alguma corrente de ar que lhe jogue à margem da órbita, algum órgão não contaminado, se ainda é possível; palavras etílicas de nada valem, são só conjeturas paliativas para males crônicos. O que és tú, senão o reflexo de tuas próprias incursões? Todo toque, toda reação, nunca obstante para expectativas já frustradas. Ainda que não lhe escape grito algum, queira apenas viver, mesmo que isso resulte em tarefa má e dolorosa. Em vão teus passos rasgam artérias de um sangue que já não corre. Saber-se bom sem saber-se completo, eis teu dilema, contemporâneo de tantos! Haja cor em teu viver, haja flor em tuas palavras e crianças em teu caminho, então poderás sorrir. Enquanto teu coração pulsa sangue e ressentimento, o tempo corre, foge incrédulo de tí. Esqueça dos que não lhe perdoaram, não lhe deram ajuda nem palavras. Lembra-te de quem te despertou o amor, o melhor em tí, o que até hoje guardas contigo, mesmo que na clausura mais remota da memória. Todavia, só o tempo é remédio para a tua saudade. O teu pranto não é o bastante para lhe trazer as pessoas desaparecidas. Por ora, reúne toda a tua força, para que não esmoreças diante do teu próprio ódio. Para que nunca se cale tua beleza imutável, e o teu espírito siga imperturbável, imune a toda mácula e sordidêz humana; a estas últimas reserva só o desprezo, tão longo quanto impenetrável. É justo que daqui em diante tú ganhes uma coleção de dias tristes. Dias em que abraçarás a tua culpa como a uma irmã ingrata. Deves agora atravessar o doloroso período do desapego. Então não haverá remorso, nem dor. Só saudade.