Para Marisa
Gostava de ficar sentada no tronco da mangueira lembrando coisas boas que tinham acontecido naquela semana, e das coisas mais antigas, dos anos passados, o nascimento das crianças, de como conhecera Jorge nos quinze anos de Zélia, do casamento que por pouco não saía. Era sempre um lugar sagrado aquele. Ali ruminava idéias, fazia planos, chorava a saudade de Gilda, que se fora tão cedo, e ria sozinha das astúcias que imaginação feminina criava. E lembrei de quando Miguel, irmão de Guacira, voltou para Santa Maria. Tinha sofrido uma desilusão amorosa no Rio de Janeiro, e veio buscar o apoio da família. Foi o homem mais bonito que já vi de perto. Paixão tão fulminante que quase me fez desistir de Jorge e dos meninos, bastaria um olhar, um pedido... Mas nada disso, o máximo que Miguel fez foi apertar minha mão, na igreja, mas por pouco que tenha sido senti meu corpo estremecer e a cara ferver como se fora um beijo. Meses depois quando partiu, ainda recordo, corri pra beira do riacho e chorei como criança abandonada. E aqui sentada agora, me farto de rir de mim mesma lembrando as tolices tão escondidinhas que vivemos. Jorge nesse tempo trabalhava de biscate como pedreiro e, quando chegava em casa ficava me olhando de lado como se quisesse entender o que se passava. Quando vinha querendo namorar eu sempre arranjava uma desculpa; precisava viver o luto daquele amor perdido, e que fora só meu. Confesso que quase tive raiva do meu marido, e em momentos achava tudo culpa dele. Se não tivesse casado, parido os meninos... . Parece até castigo, mas logo depois, Paulinho meu caçula, quase morre num tombo de escada na casa de seu Nestor... Momentos difíceis. E pode até ser mesmo pecado, mas aproveitei a situação para chorar um pouquinho mais a saudade de Miguel e, acabei arrumando uma desculpa para Jorge me deixar dormir em paz. Dias depois o menino já estava correndo pra lá e pra cá e eu seguia a vida. Estranhamente, tudo vai passando na vida, como um vento, e vai levando cenas vividas para longe de nós, renovando nossos repertórios. Hoje aqui sentada sinto uma nova agitação me tomar a alma, quando Jorge chegar não sei como vou contar que a doutora Inês disse que não é menopausa, é um temporão que vamos ter. Ah Jorge, Jorge! A gente não tem mesmo vergonha na cara, somos dois velhos assanhados.
Stelamaris