Pequenos Polinizadores
Sobre as telhas douradas, me estendo. Aqui, onde o sol ousa dourar e onde o tempo ousa cicatrizar. Qual atirador furtivo, fito o horizonte ainda adormecido por Deus, que me guardou especificamente este pequeno néctar divino. Quase olvido o pânico das alturas de que sou refém. Recostado na pequena chaminé de pedra de xisto, a sensivelmente 5 metros de altura, reparo que algo me faz companhia. Compartilho este belo raiar de dia com milhões de zumzuns que se fazem ouvir de forma caótica às cinco da madrugada. Não se vê vivalma, a não ser estes pequenos entes, já mergulhados na jornada exaustiva. Sem tréguas, é assim o começo do dia para estes minúsculos polinizadores de vida. Excessivamente tarefados, ziguezagueiam desalmadamente entre os verdes, mas finos ramos dos arbustos.
Entretanto, discernem-se os primeiros sinais de vida da estrela maior. O sol, magestoso, apresenta-se ao mundo e o que era antes alaranjado e dúbio torna-se instantaneamente clarividente, pautado por um verdíssimo vivo.
A panorâmica, imperial, condiz com os movimentos incessantes destas pequenas formas de vida.
De repente, algo de insólito acontece. Uma pequena e insignificante joaninha ousa beijar a folha onde conto esta história, já desgastada pela humidade e suor.
Nanosegundos depois, dou por mim a comunicar com este bichinho de bolinhas escuras por entre um vermelho vivaço. Aí está ela a dar-me os bons dias e a prometer-me uma odisseia que promete ser única. Mais uma.
Um ser tão microscópio a intrometer-se no diário de um gigante?
Eis que finalmente decido descer, do alto das telhas feitas em ouro maciço. O dia já raia, e o estômago pede a primeira refeição da epopeia que se avizinha dura.