Marareia
Algumas vezes tive a sensação de que dedicava muito tempo a algo relativamente inútil, especialmente diante concreticidade de outras ocupações. Um pensamento curioso para alguém que não tem muita certeza da concretude do mundo...
Ocorria-me, nesses momentos, que o trabalho de um construtor era verdadeiramente fascinante, porquanto a capacidade de arquitetar, criar e aperfeiçoar era incontestavelmente incrível. Ou, ainda, a capacidade de curar enfermidades; ou, talvez, de tocar outro corpo e aliviá-lo de suas tensões; ou, quem sabe, de transformar o alimento em saúde e prazer.
Quase todas as ocupações pareciam mais palpáveis do que aquela das elucubrações, do desenvolvimento de ideias trêmulas e inacabadas, nunca sossegadas. Se, de um lado, essas mesmas ideias constituíam o meu chão para ver e agir no mundo; de outro, eram a areia movediça que me arrastava para dentro desse imenso e desconhecido mar de grãos, cuja abstração que me afetava concretamente. Mas afinal, quem separou concreto e abstrato? Seria essa uma abstração? E a existência da abstração não é concreta? Ou ela é também uma abstração? Areia, arei, are, ar... a. De repente, em meio a tanta aspereza, pude vislumbrar a vastidão do oceano logo adiante – encontrei a minha praia, um lugar onde o áspero e o fluido se diferem, se encontram, se tocam, se confundem. E pensei que as ideias não são, mas podem nos levar a este lugar: mar-areia.
02/08/15