EU E OS ESCRIBAS (119)

Na história da humanidade houve um e só

um refúgio de livros seguro e à prova de guerra e

incêndios: a biblioteca andante, uma ideia do

grão-vizir da Pérsia, Abdul Kassem Ismael, no

final do século X.

Homem prevenido, esse viajante incansável

levava sua biblioteca consigo. Quatrocentos camelos

carregavam cento e dezessete mil livros, uma

caravana de dois quilômetros de comprimento. Os

camelos também serviam de catálogo das obras:

cada grupo de camelos carregava os títulos que

começavam com uma das trinta e duas letras

do alfabeto persa.

(Eduardo Galeano)

Onze séculos depois surge um novo vivente

prevenido no mundo. Exatamente este escriba.

Desde que os meus escritos -versos, crônicas,

trovas, lampejos, sonetos, cantares - começaram

a se avolumar, tratei de cuidá-los. Assim é que

os tenho carregado quando mudo de ares, da

serra para o litoral, do litoral para a serra. É que

muito antes de conhecer o grão-vizir Abdual, eu

já pensei em proteger essa pequena fortuna de

ideias e sentimentos que venho acumulando ao

longo do tempo.

Entonces, é por isso que o bagageiro do carro

anda recheado de versos, que também solto ao

vento para os cuidados de outras mãos nas

veredas dos caminhos.

Versos ambulantes por este mundo velho

sem fronteiras.

(Silmar)