América dos selvagens
Pelas terras e bandas de cá,
onde se notar a opulência
e o garbo da alta-roda,
há sim de se considerar a presença
de uma inexorável falência ética.
A estética do encanto,
cetro, manto e circunstância
plantou a relevância da civilidade
nesta América dos selvagens.
Tal sanha invasora e cruel,
bem fez transmutar sangue em mel,
suor em vinho, para somente
e tão somente, descaminho de tantos.
Como posso render-me à desmemória,
se as sobras desta glória forjada
me desancam a história e o tempo de viver?
Que me resta senão a sublevação,
notação de palavras em tom amargoso.
Se hoje vejo cores e gentes misturadas,
sei sim de toda uma equação de horrores
sacramentada pelos abusos.
Usos de corpos e desusos da dignidade.
Ah, essa igualdade idealizada...
É certo que ela consta nos regimentos da lei,
estanque na palidez das páginas dos livros,
hipotética e distanciada da forma empírica.
Sigamos pois, aquela estrada onírica,
a que nos levará a caminhar em círculos.
Não há estranheza no giro
e nem sutileza no conto.
Apenas a certeza que o ciclo,
se cumprirá de ponto a ponto.
Seria por demais divino o dia
em que o humano se apercebesse de si,
ali, em carne, osso e dor.
Na parecença do amor,
finitude e morte.
Sigamos pois, aquela estrada onírica,
a que nos levará a caminhar em círculos,
a esmo e à própria sorte.