PASSAMOS PELAS COISAS SEM AS VER...
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"Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.
(Eugénio de Andrade)
Em 1948 Eugénio de Andrade, um dos maiores escritores da Língua Portuguesa, dizia, com a autoridade própria dos grandes poetas, que "Passamos pelas coisas sem as ver, gastos,como animais envelhecidos: se alguém chama por nós não respondemos, se alguém nos pede amor não estremecemos, como frutos de sombra sem sabor, vamos caindo ao chão, apodrecidos."
Um texto tão real que gela o coração...
Passaram-se 70 anos e o pensamento é o mesmo.
A vida era simples há muitos anos atrás e continua sendo.
Nós é que complicamos o que na realidade deveria ser simples.
Continuamos "passando pelas coisas sem as ver"...
Estamos na correria, vivemos uma vida desenfreada,
os dias tornaram-se iguais, obedecendo a um circulo vicioso:
acordar, comer, trabalhar, dormir. Não temos tempo.
Tempo para usufruir. Tempo para olhar, observar, reparar...
Tempo para amar.
"Passamos pelas coisas sem as ver".
E quase sempre sozinhos. Deixando sonhos por viver.
Hoje a aparência importa mais do que a essência.
Hoje os abraços são dados ao longe.
Hoje é o agora. Hoje tudo tem prazo de validade.
Passamos pelas coisas sem as ver...
Pudéssemos ver, observar, reparar bem...
Pudéssemos dar o nosso melhor, sempre....
Pudéssemos rechear nossa vida com as coisas simples que a vida oferece! E não seriamos como "frutos de sombra sem sabor,
caindo ao chão, apodrecidos" mas, antes, um pedacinho de "céu refletido nas pequenas gotas d´orvalho - diamantes caídos no chão - ..."
Passamos pelas coisas sem as ver: indiscutível, como a beleza
de tudo o que é simples.
Ana Flor do Lácio
(para o texto Coisas Pequenas, do escritor recantista Paulo Rego)