diálogos perdidos entre música e álcool
"Você vem amanhã?"
"Não, amanhã não. Preciso descansar."
"Descansar o que? Deixa disso."
"Que nada, rapaz. Amanhã é dia de por as palavras em seus lugares, de ajeitá-las na cabeça, pra no domingo começar a escrever sobre o que foi aprendido aqui hoje."
"Ou seja: nada," ele deu um gole em sua bebida. "Nada foi aprendido aqui hoje."
"Esse é um bom assunto."
"Eu concordo."
O bom de estar ali rodeado por aquelas pessoas era a própria diversidade que conseguia ser acumulada. Vários grupos eram formados, rodinhas, aglomerados na diferença de suas roupas e modos de socializar, em suas músicas e suas bebidas, e mesmo assim com qualquer oposição ninguém ali te julgaria mal. Você poderia aparecer em qualquer grupinho e fazer amizade com quem quer que fosse como se todos fossem crianças no jardim de infância. Lembra dessa época? Não tínhamos preconceitos, não tínhamos ideologias, não tínhamos atritos. E, assim igual a nossos primeiros anos de vida, estar ali era essa simplicidade. Era confortável até mesmo se você tivesse alguma fobia social ou se faltasse da habilidade necessária para cumprimentar alguém sem errar o próprio nome. Por mais que todo esse conforto caísse em meus ombros, eu não podia deixar de achar estranho como que eu me sentia livre na presença desses desconhecidos. Podia ser eu mesmo aqui, espontâneo em qualquer assunto sem fugir do bom senso, longe de meu mundinho diurno prezado e bem cuidado, longe de quem me conhecia há décadas, longe daqueles que cresceram comigo e me viram tomar das piores até as melhores decisões que assim me trouxeram até aqui esta noite, e nas futuras e nas anteriores. Já teria me matado caso não percebesse essa ironia, claro. O que me levava a outra questão: até onde essa zona se estendia? Os conselhos eram sempre para sair dela, só que com outras palavras para não ficar demasiado repetitivo. As histórias ganhavam cor, ganavam vida, respiravam nosso ar composto por Derby, Gift e Marlboro quando a presença do luxo era confirmada.
Nada mudava, a não ser o corpo de quem festejou demais. Ficava largado ao lado do próprio vômito, fora da sensibilidade humana. Há noites que precisamos fazer isso. Mandar nosso organismo se foder, porque a mente já se encontra a sete palmos abaixo da terra e o necessário é desmaiar numa rua suburbana com o hálito de mais de uma bebida alcoólica. A garganta seca me pedia qualquer líquindo, embora eu quisesse mesmo beber água. Ouvia meus órgãos internos gritarem implorando por algo saudável. Quem sou essa noite? Bebi três doses de uísque e meu maço estava acabando. A sobriedade voltou depois de chupar uma bala de hortelã. Hoje eu não precisava ficar daquele jeito deplorável que o jovem se encontrava. Um motivo mais cedo me arrancou tal desejo. Apesar disso, senti alguma inveja. Ninguém por ali perto mostrou se importar.
"Ele tá bem?" tive que perguntar.
"Tá sim. Tá só descansando," um garoto cabeludo sentado ao seu lado me respondeu.
"Tá cansado, ele," uma garota continuou. Ela sorria.
"Quer um?" o cabeludo me ofereceu um marshmellow tirado de sua mochila.
"Não, valeu," respondi. Tirei o box de Marlboro do bolso de minha camisa e o abri. Tinham mais uns quatro ali. Coloquei um na boca e o acendi. "Ele festejou demais, então?"
"Pois é."
"Daqui a pouco levanta, relaxa," ela ainda sorria.
"Um dia sem porre é um dia desperdiçado."
"Isso aí," disse o cabeludo comendo mais de seu doce.
Estaria mentindo por omissão se não falasse ter ficado com meu estômago embrulhado com aquela decadência, mas não estou em posição para julgar. O vômito não fedia, e já estava seco. Alguns pedaços de comida e nada mais. Quando me afastei pude ver algumas outras pessoas chegando perto do desmaiado, interessandos em saber de seu estado. Sem muito sucesso com seus amigos acordados ao seu lado, assim como eu, foram embora se afastando com preocupações em seus olhos. Pude ouvir qualquer coisa a respeito de o levarem ao hospital, mas a importância não era tanta assim por parte daqueles que o conheciam, e com este reflexo os outros por perto fizeram o mesmo.
"Isso que é vida," disseram alto perto de mim. "Você tem cigarro aí?" eu estiquei o box ao sujeito e ele tirou um. Ele tirou um isqueiro do próprio bolso. "Aí, valeu. Tu é foda." Eu repliquei balançando a cabeça.
"Você vem amanhã?"
"Não, amanhã não. Preciso descansar."
"Descansar o que? Deixa disso."
"Que nada, rapaz. Amanhã é dia de por as palavras em seus lugares, de ajeitá-las na cabeça, pra no domingo começar a escrever sobre o que foi aprendido aqui hoje."
"Ou seja: nada," ele deu um gole em sua bebida. "Nada foi aprendido aqui hoje."
"Esse é um bom assunto."
"Eu concordo."
O bom de estar ali rodeado por aquelas pessoas era a própria diversidade que conseguia ser acumulada. Vários grupos eram formados, rodinhas, aglomerados na diferença de suas roupas e modos de socializar, em suas músicas e suas bebidas, e mesmo assim com qualquer oposição ninguém ali te julgaria mal. Você poderia aparecer em qualquer grupinho e fazer amizade com quem quer que fosse como se todos fossem crianças no jardim de infância. Lembra dessa época? Não tínhamos preconceitos, não tínhamos ideologias, não tínhamos atritos. E, assim igual a nossos primeiros anos de vida, estar ali era essa simplicidade. Era confortável até mesmo se você tivesse alguma fobia social ou se faltasse da habilidade necessária para cumprimentar alguém sem errar o próprio nome. Por mais que todo esse conforto caísse em meus ombros, eu não podia deixar de achar estranho como que eu me sentia livre na presença desses desconhecidos. Podia ser eu mesmo aqui, espontâneo em qualquer assunto sem fugir do bom senso, longe de meu mundinho diurno prezado e bem cuidado, longe de quem me conhecia há décadas, longe daqueles que cresceram comigo e me viram tomar das piores até as melhores decisões que assim me trouxeram até aqui esta noite, e nas futuras e nas anteriores. Já teria me matado caso não percebesse essa ironia, claro. O que me levava a outra questão: até onde essa zona se estendia? Os conselhos eram sempre para sair dela, só que com outras palavras para não ficar demasiado repetitivo. As histórias ganhavam cor, ganavam vida, respiravam nosso ar composto por Derby, Gift e Marlboro quando a presença do luxo era confirmada.
Nada mudava, a não ser o corpo de quem festejou demais. Ficava largado ao lado do próprio vômito, fora da sensibilidade humana. Há noites que precisamos fazer isso. Mandar nosso organismo se foder, porque a mente já se encontra a sete palmos abaixo da terra e o necessário é desmaiar numa rua suburbana com o hálito de mais de uma bebida alcoólica. A garganta seca me pedia qualquer líquindo, embora eu quisesse mesmo beber água. Ouvia meus órgãos internos gritarem implorando por algo saudável. Quem sou essa noite? Bebi três doses de uísque e meu maço estava acabando. A sobriedade voltou depois de chupar uma bala de hortelã. Hoje eu não precisava ficar daquele jeito deplorável que o jovem se encontrava. Um motivo mais cedo me arrancou tal desejo. Apesar disso, senti alguma inveja. Ninguém por ali perto mostrou se importar.
"Ele tá bem?" tive que perguntar.
"Tá sim. Tá só descansando," um garoto cabeludo sentado ao seu lado me respondeu.
"Tá cansado, ele," uma garota continuou. Ela sorria.
"Quer um?" o cabeludo me ofereceu um marshmellow tirado de sua mochila.
"Não, valeu," respondi. Tirei o box de Marlboro do bolso de minha camisa e o abri. Tinham mais uns quatro ali. Coloquei um na boca e o acendi. "Ele festejou demais, então?"
"Pois é."
"Daqui a pouco levanta, relaxa," ela ainda sorria.
"Um dia sem porre é um dia desperdiçado."
"Isso aí," disse o cabeludo comendo mais de seu doce.
Estaria mentindo por omissão se não falasse ter ficado com meu estômago embrulhado com aquela decadência, mas não estou em posição para julgar. O vômito não fedia, e já estava seco. Alguns pedaços de comida e nada mais. Quando me afastei pude ver algumas outras pessoas chegando perto do desmaiado, interessandos em saber de seu estado. Sem muito sucesso com seus amigos acordados ao seu lado, assim como eu, foram embora se afastando com preocupações em seus olhos. Pude ouvir qualquer coisa a respeito de o levarem ao hospital, mas a importância não era tanta assim por parte daqueles que o conheciam, e com este reflexo os outros por perto fizeram o mesmo.
"Isso que é vida," disseram alto perto de mim. "Você tem cigarro aí?" eu estiquei o box ao sujeito e ele tirou um. Ele tirou um isqueiro do próprio bolso. "Aí, valeu. Tu é foda." Eu repliquei balançando a cabeça.