Prazo de validade
“Onde não puderes amar, não te demores”
DUSE, Eleonora
Separação. Rachaduras que, com o tempo, tornam-se fendas, as quais, deixadas ao relento, convertem-se em verdadeiros buracos. Hoje, eu decidi colocar a argamassa de lado e simplesmente deixar as rachaduras crescerem por conta própria, como raízes que se alimentam da falta de cuidado.
Já faz um tempo que certas relações se mostram desprovidas de significado na minha vida, sustentando-se tão somente a partir de lembranças benquistas que guardo comigo; são meros simulacros do passado que, no presente, mostram-se densas, enfadonhas, até mesmo grotescas. O prazer de tê-las advém apenas da habitualidade, justamente o fator que me impediu, durante tanto tempo, de dissolvê-las. Agora, contudo, o impedimento foi anulado e, fincado no presente, diante de sucessivas reuniões infames - as quais tomei a iniciativa de organizar, diga-se de passagem – permito-me abdicar de tudo aquilo que diz respeito a elas.
Não está sendo fácil, confesso, e minha mente vem trabalhando vigorosamente há algumas horas no sentido de encontrar algum motivo que me faça reconsiderar esta decisão, tida como prenúncio do fim, uma vez que, se até aqui, fui o responsável por conduzir tais relações, a partir do momento em que retiro minha contribuição, já não há mais nada a nos unir. Libertador e desesperador, posso dizer, perceber-me com tamanho poder em minhas mãos. De qualquer modo, se quero afirmar o presente em detrimento do passado, única coisa que efetivamente tenho, como já me falaram, o caminho surge naturalmente: que cada um encontre aquilo que é melhor para si de forma independente.
Relações não têm prazo de validade, é verdade, mas eu acabei de colocar um na nossa. Sei que, muito provavelmente, as pessoas a quem este texto está sendo remetido jamais irão lê-lo, mas se porventura vierem a fazê-lo, saibam: fiz o que pude, mas não posso continuar fazendo algo que me causa ardor de maneira contumaz. Aos demais, fica a sugestão de desapego ante aqueles para os quais tem de olhar para trás no sentido de encontrar amor.