O DESABAFO DO PADRE JOEL
 
Indignado com a quarta ou quinta reeleição e com o mesmo discurso demagógico do prefeito, padre Joel pede a palavra e, numa mesclagem de decepção e indignação, começa a desabafar:
"É lamentável que o povo de Muçambê reeleja, pelo periodo de mais quatro anos. O sr Francisco, vulgo Xico Bode.
Graças a Deus, Muçambê está no nordeste, mas não é nem representa o Nordeste. É evidente que algumas Muçambês ainda resistem por aí, mas não são o Nordeste dos nordestinos que contagia a todos com sua alegria de viver. O Nordeste dos mares bravios, das praias deslumbrantes e dunas inesqueciveis.
A imprensa do sul infelizmente só mostra o Nordeste das Muçambês, do Xico Bode, não o Nordeste das universidades, das lindas mulheres, das fontes minerais, das chapadas e chapadões, das chuvas e irrigações molhando a terra, enverdecendo os campos e as plantações, os rios transbordando, os açudes sangrando, encantando com as piracemas. A Rede Globo não mostra a folhagem verdejante das árvores renascidas, a babugem saindo da terra num ato de ejeculação. O Nordeste não é só Muçambê. Gostaria muito que mostrassem um quebrar de barra, com os galos empoleirados, amiudando nos quintais de Barbalha, para quem não conhece, Barbalha é a terra dos canaviais, fincada num oásis por nome de Cariri, bem no sul do Ceará-Brasil, isso mesmo, Brasil. A imprensa sensacionalista, que vive da miséria alheia, não mostra via Embratel, os relâmpagos riscando o Céu de Juazeiro do Norte ou os trovões ecoando na Serra do Araripe. Também não mostra o rios Salamanca e Salgadinho serpenteando nas suas águas barrentas das primeiras cheias.
Os urubulíticos - exploradores da seca em ano eleitoral- deveriam mostrar os engenhos, os alambiques, as usinas de açúcar, as uvas exportadas de Petrolina, os cajus industrializados do Ceará, o avanço do turismo, o desenvolvimento imobiliário, as maravilhas naturais. O brasileiro do sul desconhece muito das coisas e talvez, por isso, seja incapaz de admitir que o nordestino também tenha uma moradia digna, seu carro de passeio, uma roupa decente, seu curso superior, seu clube recreativo, e tenha de viver exclusivamente do buraco que cava com o suor da miséria, construindo barreiros inúteis nas frente de trabalho, ou, como um bando de analfabetos, matando a fome com as esmolas que lhes são doadas. É aí que entra um BraZil que faz questão de ajudar uma Muçambê que fica no Nordeste de um BraSil miserável, onde as crianças não estudam, correm ás escolas pensando somente na merenda gratuita.

Livro: A Vaquinha da Primeira Dama.
Editora CEPE (1998)
Págs 62 e 63