Gostaria de existir apenas por estes três andares que habito

A luz desafia a minha fé e eu não perdoarei o amanhecer. Cansei de rasgar a sede. Gostaria de existir apenas por estes três andares que habito. Han abierto um abismo. Nem se me empurrassem escreveria ais. Eu engasgo até agora e, quando dou por mim, as horas seguram meus dois punhos e aproximam com força seus dedos dos meus pulsos como se quisessem parti-los. Queixam-se, inumados, meus sonhos. Movem-se pelo chão minhas sombras virgens. Tenho que cavar no corpo possibilidades de imaginação. Mas a imaginação deseja vastidão, e sou muito pequena para ela. Preciso escapar da camisa de forças que me prende submersa num tanque de água. Eu teria por exigência um furo no chão. O fantasma tão conhecido acompanha indiferente o meu corpo, todo investido em lidar e viver com este pós operatório. Desperto gatilhos adormecidos. O caminho rasgado entre o ventre materno e o espírito. Ondas estacionárias. Sorte, melhor amiga do risco. Lembrei do blues, e também dos fados portugueses. Percebi o quanto estou sozinha. Vi uma barata trocando de exoesqueleto e foi uma forma de me assistir nesse momento. Até que é simpático. Algumas tragédias são nobres e a noite é um precipício quando a lua resolve desembaraçar as minhas tranças. Por que alguém sempre me olha timidamente, mas dorme antes do fim? É desse abismo que emerge um silêncio profundo, preciso, precioso. Sinto-me uma escultura de Hans Bellmer, impetuosa, a desejar o caos, a desejar ser consumida pelo caos…Gostaria de existir apenas por estes três andares que habito, ser o que acaba todos os dia. Gostaria que as horas partissem meus pulsos e poluíssem os meus vícios.