Os Pedaços de um Caminhoneiro
 
Bem gente, pelo título vocês já podem até imaginar o que vem nesse relato.
Não me lembro o ano, mas nesses 25 anos de estrada presenciei uma cena que no momento me deixou muito apavorada.
Chegando em Ituiutaba, no Triangulo Mineiro passando por uma ponte, ficamos intrigados com aquele varão todo sujo de sangue.  De repente avisto lá em baixo um pedaço de perna que, pelo tamanho da coxa deduzi que se tratava de um homem bem forte.
Passamos e paramos mais adiante onde  um policial já estava no local. Ele se aproximou do nosso carro, encostou na janela e falou pra nós:
_ Moço, ainda não encontramos  a cabeça do motorista. Falou isso numa frieza de doer.
Eu estremeci do lado. Senti vontade de sair correndo dali. Meu coração acelerou de um jeito, que pensei que quisesse ganhar a estrada naquele momento. Talvez quisesse ir até a sua casa pra consolar  esposa e filhos que ficaram lá dias, semanas, meses sem vê-lo.
Vida de caminhoneiro e de todos que pegam a estrada é assim. Sai sem saber se volta.
Além de correr o risco com ladrões, acidentes, ainda usam de artimanhas para se manterem acesos igual aos faróis do próprio caminhão pra chegar em tempo de entregar o que transportam.
Voltando ao acidente, logo imaginei o que teria acontecido. Deduzi que o caminhão faltou freio e ele tentou sair e não deu tempo. Pendurado na porta o caminhão te arrastou pela mureta da ponte , e seu corpo foi soltando os pedaços.
Imaginando a cena é de embrulhar o estômago não é? Agora imaginem eu que vi de perto.
Não é fácil não. Nesses anos de estrada vi muita coisa feia.
Enquanto nós íamos pra um hotel a noite, eles continuavam sua jornada, outros encaravam um banheiro de posto de gasolina pra tomar banho e voltar pra dormir na cabine de seu caminhão. Quem viaja sabe muito bem como são os banheiros de postos.
Ele deixou o conforto de sua casa pra transportar o alimento que chega até a nossa mesa. E pra isso garantir o que chega na mesa dele também.
Portanto se o seu bujão acabar porque o caminhoneiro parou, não se aborreça não, porque na casa dele muitas vezes acabou antes mesmo deles saírem pra estrada.
Muitos de nós com medo de ficar em falta, corremos no supermercado  pra estocar o alimento em casa.
A esposa daquele caminhoneiro que está lá parado não teve condição de fazer isso. Pode acreditar.
Quantas vezes no começo das minhas viagens eu reclamei do caminhoneiro. Lá de cima do hotel, no meio da noite eu acordava com eles ligando o caminhão pra sair. Eu pensava, porque sair essa hora? Acordando quem ainda dorme?
Eu não entendia que eles tinham horário pra entregar sua carga.
E nessa loucura das estradas, muitos vão perdendo suas vidas, muitos vão perdendo momentos de estarem com seus filhos, de acompanharem seus estudos.
Acredito que o caminhoneiro tenha chegado no seu limite.
Não adianta reclamar, agora é apoiar o caminhoneiro.
Se vai faltar alimento na sua mesa, na dele já vem faltando há mais tempo.
Porque ele também se alimenta, tem filhos na escola e também adoecem.
Se ganhassem bem, não precisariam dormir em cabines, não precisariam fazer sua própria comida ali na beira da estrada.
A exploração nos pedágios é grande. Um absurdo.
Você paga pra fazer uma estrada e depois tem que pagar pra andar nela.
É triste, muito triste...

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
Élia Couto Macêdo
Enviado por Élia Couto Macêdo em 27/05/2018
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