O LAMENTO DO MAR
 
            Hoje eu andava pela praia, bem junto à água, como sempre faço, e vi uma lata de refrigerante na areia, como sempre vejo. Lembrei que tinha uma sacolinha na bolsa e agachei-me para recolher a lata. Foi quando ouvi uma voz, uma voz triste, como um lamento, uma voz inarticulada, atemporal, rouca, que parecia vir das profundezas da terra... Não, das profundezas das águas. E ela me disse:
            - Ah! Como é bom ver que alguém ainda se importa comigo! É muito raro, mas quando acontece, como é bom! Olha, moça, eu existo há muito tempo, muito mesmo, tanto tempo que não és capaz de imaginar. Sempre vivi tranquilo e feliz no meu interminável vaivém. É o meu destino. Muitas pessoas me amam, às vezes viajam muitas horas só para estarem perto de mim, para ouvir o marulhar das ondas, para sentir a brisa fresca que exalo, e deitar-se nas areias que estou sempre lavando e renovando. Mas, de um tempo para cá, as coisas mudaram muito. Estou doente... Minhas águas estão ficando turvas, pois estão jogando nelas muitas coisas estranhas, coisas que não pertencem a mim, nem aos seres que aqui vivem. Olha, vês essas avezinhas que brincam, despreocupadas, na areia molhada? Se elas engolirem um toquinho de cigarro (e há tantos por aqui...) elas podem morrer, ou ficar seriamente doentes. E eu fico triste... Às vezes fico tão triste que choro, choro muito, e minhas lágrimas invadem as praias habitadas, e causam morte e destruição para os humanos... Mas eu não queria fazer isso...  Essa latinha que retiraste da areia poderia ir parar no estômago de um peixe, e matá-lo. Meus animais não gostam de comer latas, plásticos, isopor, madeira, papelão, pedaços de metal, e tantas outras matérias estranhas que os humanos depositam em minhas águas... Mas eles não têm escolha, não são como vocês, que têm livre arbítrio... Não sei até quando resistirei... A vida aqui é riquíssima, muitas espécies de minha fauna jamais foram vistas por vocês, e muitas jamais serão, pois já foram extintas... Seres que viveram milhões de anos na mais completa paz, em perfeito equilíbrio, agora são dizimados pelo que é conhecido como “o Rei da criação”, a obra mais perfeita do Criador. Mas que rei é esse que promove tal chacina em seus súditos? E quando não houver mais súditos, sobre quem ele reinará? E quando ele tiver destruído seu próprio reino, onde viverá? Será que pensam nisso?
 
            Não consegui falar nada... E chorei... E minha lágrima caiu e misturou-se às lágrimas salgadas do grande mar sem fim.