O que se é
As memórias flácidas que o visitam,
O fazem, sempre, hesitantes.
O pavor oriundo do algoz estrangeiro,
Já há muito as instruiu à discrição.
Ao aproximar-se do decadente leito,
Retiram, do moribundo, a coberta hipócrita;
Na qual este gastara o afã de dias;
Para enfim revelar o débil ente,
Que ali, agora, impera surdo.
Falar-lhe? Inútil. Soberano, ele, é.
Mas, sobre o que reina, tal criatura?
Criatura? Não. Não? Não o era.
No início, era, ele, um espírito:
O paladino das virtudes essenciais.
Contudo, ciência, ele, tinha da torpeza.
Por isso, pouco bastou para irrisão:
De repente, era um corpo torto;
Um torto no corpo; um ser corpo.
Tudo se resumia, então, a imagem:
A sua imagem; a sua frágil mortalha.
Na posse desse invólucro perecível,
Ele descobriu-se mestre de si:
Criatura sua. Espelho seu. Refém do eu.
Refém? Sim. Sim? Sim, agora o era.
Porém, tu podes indagar, como.
Como, um imperador torna-se refém?
Ou, como um refém, faz-se imperador?
Resposta, simples não escolhestes,
Entretanto, creio que não poderias,
Deixar passar tal flagrante loucura:
Um espírito exaurido pelo corpo.
Um corpo devastado pelo espírito.
Uma vontade que alimenta o corpo.
O corpo que alimenta o domínio.
Um domínio que desfaz o espírito.
Loucura? Sim. Não. Talvez...
Tens aí tua ignóbil resposta.