APOCALIPSE LITERÁRIO DAS PÁGINAS DE JORNAL

É o Apocalipse, aqui e agora, dentro de nós. Vendaval turbulento, sem eira nem beira; perdidos e confusos jazemos, espalhados pelas ruas sem porém cair no chão. Não nos vemos nem olhando para o espelho. Apenas fantasmas, menos que almas porque já foram vendidas, quem mexeu nos nossos direitos? O direito agora anda tão errado... É a hora do choque mesmo sem relâmpago ou tempestade; é quando se percebe que se mordeu a maçã, que se ficou preso nas teias da aranha. O futuro vem, sem piedade, passo a passo.

A esperança se vai, a galope. Fica o desespero pelas ruas, corredeiras de loucura, insônia e ódio. Vergonha, pouco pode esperar porque a realidade deu a volta no

cérebro; o pobre agora se contorce de câimbras no chão. Não dá pra virar pra lá porque é direita, não se alteia porque é esquerda, quem fica no meio não tem mais jeito, é fraco, bobo e sem graça.

O homem nu é proibido porque devora criancinhas mas garotos podem perder as

castidades, nos bares, nos bordéis, nas festas dos coleguinhas, sacanagem liberada, pra elas, só a barriga de nove meses, o jornal se empastela num monte de mentiras, mas seus concorrentes fazem tudo acabar em pizza, velhas sombras do passado nos rondam para nos devorar: a casa grande e senzala. Todo mundo quer ser casa grande mas diz que é senzala; os homens querem mandar mas se fazem de mendigos, vale até beijo e selfie na cracolândia, baby.

Até outro dia falavam que fulano era ladrão; de ontem pra hoje virou cult, herói, descolado, o oposicionista entrou na dança e se vira agora com um sapato furado, subiu no salto. Juízes fingem ser pastores, trancam ovelhas e soltam os lobos.

Alguém percebeu os cadáveres enquanto isso? Aqueles pobres, fracos, que morrem de fome? Não? Ah, estão cobertos, por mortalha as páginas dos jornais, as velas acesas, passeatas cruzando cidades estéreis e insones, ninguém dá a mínima, trouxa, você aí de bandeira branca na mão, defendendo direitos humanos, meu? acorda, larga mão de proteger bandido, é porque o pó tá bom no morro, a erva vende horrores, quer pra você, larga mão de ser careta.

É tempestade, é tsunami, é tudo e todos num furacão, carnaval de Arlequim cujo herói é Munch, o grito por tudo quanto é canto, só faltou alguém pra ouvir, samba, bossa nova... que nada, tonto, o melô agora é remexer o quadril que nem bobo pra chamar atenção.

Quer saber? Eu sei onde estamos. Ferrados.