Guerra Santa (Sem Trégua)
Tenho inimigos insistentes, que nunca cogitariam trégua alguma. Meus defeitos se acumulam em mim numa proporção maior do que me deixam. Alguns, que já julgava ter banido por completo amiúde me visitam, colhem-me decepções e incertezas, para depois, ingloriosos, deixarem em mim a chaga da culpa. Retomo minha senda, num combate exitante, apoiado em dor e promessas. Moram em mim meus inimigos, não me prestam tributo, não me pagam aluguel, não me dão bom dia, julgam-me terra infértil. Se os ataco, me ferem com minhas próprias armas e, sarcásticos, zombam de minhas investidas estéreis. Não reconhecem em mim o compromisso inabalável do amor, subestimam meu poder de fogo. Sabem que ainda preciso deles, vício crônico de não caminhar sozinho. Restam-me apenas minhas estratégias, meus acordos de guerra, barganhas de submissão. Tento argumentar, reivindicar liberdade, território. Negam-me por ser proibida, esse tipo de liberdade que tanto me apraz. Talvez essa liberdade seja oriunda de meus defeitos, vícios e virtudes contaminadas. Liberdade requer coragem, atributo do qual nunca disponho em abundância. Meus inimigos se alimentam dela, precisam suga-la, armazena-la secretamente para que eu nunca a encontre, pelo menos não em proporção necessária para que se opere em meu mundo uma revolução transcedental. Sabem que a coragem me transforma, me desperta, subverte o próprio mal que há em mim. O egoísmo também tem base forte, mas aos poucos aprendo a doma-lo, humaniza-lo. Sigo andando, ora vacilante, ora soberano, sempre ao sabor das circunstâncias. Minhas imperfeições me imprimiram cicatrizes inertes, atos e palavras que nunca me pertenceram. Deram-me uma alma repleta de inquietudes, açoitada pela agonia de não ser. Meus protestos contra tal tirania são apenas palavras intelectuais de vergonha, lamentos e lamúrias inverídicas, espasmos de reações precárias. Sou muitos morando em mim, sem simbiose. Exaurido de tão desleal batalha, adormeço, descanço, sou de novo puro, errando em sonhos e madrugadas.