Projeção
Um passinho após o outro, como uma criança aprendendo a andar. Uma queda após a outra, como um pássaro aprendendo a voar. Um erro após o outro, como um adulto aprendendo a amar. Uma bicada após a outra, como um João de Barro construindo seu lar. Um bocadinho de paciência para a larva, que aguarda para esticar as asas. Um bocadinho de trabalho para a aranha, que tece sua teia para descansar e se alimentar. Um bocadinho de mira para o sapo que estica a língua para pegar o inseto de desjejum. As letras, as sílabas, as palavras, as frases e os parágrafos que compõem o texto do escritor. Os timbres, a ressonância, o volume e o tom que definem a melodia do cantor. A cura, o auxílio, a experiência e a esperança do médico que cuida. A paciência, a disciplina e o espírito humilde do professor que ensina e aprende. Um cachorrinho balançando o rabo, por ver comida, por ver outro cachorro para brincar ou brigar, ou simplesmente por ver seu dono chegar. O miado prolongado e manhoso do gato faminto ou todo dengoso. As batidas do coração quando em silêncio, sinal constante de continuidade. Cada ser humano único no mundo aproveitando a atualidade para espalhar aos quatro cantos sua própria verdade. Com tanta singularidade o que não falta é sinceridade. E o vento sopra, às vezes quente, às vezes frio, a gente reclama do calor ou do frio, e a gente reclama ou da chuva ou do sol, e a gente reclama do tanto que reclama e ri. A gente ri. A gente faz e ouve piadas nas horas mais inesperadas, da forma mais natural que existe, a gente ri, ri e sente leveza e pureza na alma sorridente e gargalhante. A gente enfrenta o reflexo que o mundo joga sobre nós, o reflexo de nossas crenças, de nossos defeitos, de nossas escolhas, de nossos pensamentos e de nossas emoções. A gente enfrenta, se fode, se estrepa, e às vezes ri da própria desgraça. A gente aprende de tudo todo dia, e uma coisa a gente aprende todo dia: a beleza existe quando a projetamos no mundo, e não quando esperamos que o mundo a projete em nós ou para nós.