TALVEZ.

O dia estava quente, sol a pino, no céu desfilavam meia dúzias de nuvens desavisadas, umas aqui, outras acolá. O suor escorria face afora, pela minha, e nas das outras pessoas também, era início de tarde, transeuntes apressados pelo calçamento esburacado. Na esquina de uma rua qualquer, proximo ao bar do português, um bando de funcionários da prefeitura consertavam parte da rua, asfalto quente, cheiro de piche, maquinário barulhento.

O dia vai seguindo o seu curso triste, as pessoas seguem com suas vidas despreocupadas, eu, sou apenas um observador da vida alheia, vejo, escrevo, tentando captar em palavras as imagens de meu tempo e suas emoções. De repente, surgem nuvens pesadas no horizonte, vindas de um único ponto, a noroeste do céu, " será chuva? " perguntou-me um senhor que passava, enquanto eu, quieto, apenas observava aquele pequeno ponto escuro avolumar-se, " E não vai demorar a cair " respondo sem muito entusiasmo. O senhor retirou-se, entrou no bar do português, que por sinal, estava lotado, mesas de truco, cervejas, churrasco para chamar a clientela. Em poucos minutos, aquele pequeno ponto escuro tomou todo o céu, rajadas de ventos tão fortes que me obrigou a esconder-me na padaria do seu Oswaldo.

Talvez o tempo mude

E as nuvens

Também mudem de lugar.

Talvez o pássaro alado mude

E se faça humano novamente

Nesta terra de ninguém.

Talvez

Este poeta solitário mude

E se transforme em letras

Vivas letras no papel

Letras de amor

Amor não respondido.

Mas tudo isso

É apenas um talvez.

Sou a angústia no fim de tarde

A alegria no começo do dia

Sou a fantasia

De minhas próprias histórias

Sou apenas um talvez

Um até logo

Ou nunca mais.

Não tenho nome

Nem face

Sou o verso no papel

A poesia jogada ao vento

Sou o talvez

Sou o momento

Sou o desejo

Sou a própria solidão...

Cinco minutos depois de me abrigar na padaria, a chuva caiu, e tudo ficou branco como neblina pela manhã, chuva forte mesmo, dessas que inunda tudo. A calçada em frente parecia com um pequeno rio, os carros passavam rapidamente, jogando água para todos os lados, não havia trovões e nem raios, apenas a chuva que caia. Silencioso, comecei a prestar atenção nas pessoas que estavam na padaria, que como eu, desavisadas, fomos pegos de surpresa.

Uma dessas pessoas, uma moça, muito bonita por sinal, cabelos curtos, olhos negros, alta, corpo esguio, roupas coladas ao corpo. Ela trazia em seu ombro direito, uma pequena tatuagem, quase no pescoço, era a tatuagem de um beija-flor, belíssima ave, de cores tão vivas que parecia real. Aquela surpreende representação artística, mexeu com meus pensamentos.

Sim... Como podes imaginar, logo me veio à memória o beija-flor, meu beija-flor, aquele mesmo de outrora. Já não sei o que fazer, de pronto, voltei a realidade, e novamente eu estava na torre alta do castelo de cristal, e todas aquelas imagens, fantasias de meus devaneios, dissiparam-se no horizonte azulado. Talvez um dia, quem sabe... Talvez nesse dia, eu me liberte dessa opressão, desta torre, deste reino. Talvez...

Tiago Macedo Pena
Enviado por Tiago Macedo Pena em 06/03/2018
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