Oceano em Azul

Se você estivesse em meu lugar, teria a oportunidade de ver o mar que se estica sob meu barco. Não só isso, como também veria até onde a minha solidão consegue chegar.

Isolado em meu próprio espaço. Em meu próprio barco. Um país no qual eu sou o único habitante conhecido. Cercado por águas desconhecidas. Poderia escapar de meu sofrimento, mas não saberia qual das circunstâncias poderia me matar. Desde um tubarão faminto, até um mal estar repentino que me puxaria para o fundo e depositaria água salgada em mim como um saco de lixo. São várias as possibilidades.

Os vínculos cultivados e nutridos por mim apodreceram. Os pontos ligados a mim foram esquecidos como pérolas engolidas pela areia ou serviram de alimento para seres microscópicos. Fui deixado sobre essa água tempestuosa. Um pobre garoto deixado para trás no Arrebatamento. Esquecido sobre um lugar impróprio para homens. Um horroso exílio.

Gosto de pensar que os peixes são observadores. Ouvem todos os viajantes corajosos o bastante para cruzar esta Savana de água. Lembram-se dos rostos, dos trejeitos, das personalidades, dos idiomas, das frases e das palavras. Devem conhecer todas as línguas. Ótimas companias, eles podem ser. Todavia, é uma pena quando lembro que não falo a língua dos peixes. Uma tristeza cresce no meu interior ao pensar sobre as várias conversas as quais eu não vou ter com os seres escamosos. Um oceano de memórias confinado no mar.

Sinto-me um refém de Poseidon. Um incômodo que ainda vive por misericórdia. Quando ele se cansar de mim, ele poderia agitar as águas com o bater de suas barbatanas e me engolir para um abismo. Tal ideia me reduz de um ser humano, capaz de dominar todos os reinos animais à sua volta, a uma desprezível formiga, frágil às menores revoltas naturais.

A brisa gelada pesa as minhas pálpebras. Semeia dentro delas as areias do sono. Elas se espalham pelos meus vasos sanguíneos e fixam-se dentro de minhas várias unidades. Dissolvem-se, liberando seus calmantes minerais. Meu corpo se rende à sensualidade do sono. Minha razão puxa minhas rédeas e grita pela manutenção da minha atenção. Ela não quer cair. Meu corpo a ignora. Não posso ouvir meus pensamentos enquanto as correntes do sono me puxam para o chão.

Deito rapidamente sobre o chão do meu barco. Um estrondo repentino. Foi assim que mergulhei no Reino dos Sonhos.

Meus olhos abrem. Eles são recepcionados com um ardor que apenas a água salgada pode proporcionar. Minha visão fica embaçada, assim como minha compreensão sobre aquela situação. Olhos para os lados e vejo a escuridão que permeia o berço do mar que me abraça. Um abraço forte e frio. Olho para cima. Vejo sobre a tensão superficial o conjunto de peças de madeira quebradas e retorcidas que antes davam forma ao meu barco. Meu humilde barco. Nunca transmitiu uma completa certeza de que poderia me manter seguro sob qualquer tempestade, seja ela natural ou interior, mas foi suficiente em servir ao propósito de carregar uma alma suja como a minha em uma solitária travessia. Agora o vejo morto sobre a água, iluminado pelo pálido céu nublado e sendo varrido pelas furiosas ondas.

Depois de tanto tempo, o Arrebatamento finalmente me buscou. Mas não quer dizer que estou sendo puxado para cima.

Muito pelo contrário. O afundar da minha casca cresce a cada segundo.

Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia)
Enviado por Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia) em 28/02/2018
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