Encontro Inexistente
Encontro Inexistente
Fiquei à tua espera num corpo arrasado, com o coração nos pés, e como uma fera sem presa, já estava esfomeado. Sem saber bem onde estava, cheio de raiva, achei-me perdido no meio de um vácuo, mas mesmo assim tentava comunicar-me com alguém. Mesmo sabendo que não era ouvido, eu gritava e, mais tarde, comecei a andar por aí, à procura de mim mesmo. Eu já estava em nenhum lugar, mas ainda assim só pensava em sumir.
Num instante inesperado, vi o meu reflexo estampado em cada gota d'água chuvosa que caía só para mim. Complexidade, ao ver que, quanto mais chovia, mais eu desaparecia daquele espelho terreno, onde tristemente eu me via. Foi então que a desmoralização sofreu um aumento. Houve mais vazio em mim, já nem sabia mais por que existia, tampouco precisava de olhos alheios - por mim mesmo era mal visto, mas não fiquei por aí.
Naquele mesmo sítio sem forma, sem nada, contornei algumas ruas e segui em frente, andando pelo lado reverso do caminho diferente que acabara de escolher. E de pé para mão tu apareceste. Parecias uma pessoa normal, até que de repente abriste as tuas portas. Disseste apenas que me querias conhecer, foi esta a explicação que me deste e, ainda calada, perguntaste pelo meu nome. Nem eu sei como pude ouvir-te. Pegaste em meus braços e levaste-me para o teu habitat, conheci pessoas estranhas e algumas especiais, falamos do imaginário e de coisas reais, porém confesso que não fazia um pingo de ideia sequer do que vivia contigo. Era verdade ou mentira? Não sei, e inseguro, embora equilibrado, com a cabeça erguida e os pés bem assentes no chão que pisava, mas em baixo, decidi entregar-me apenas ao momento completamente desconhecido.
Entretanto, nessa pequena viagem astral em nave descoberta, cuja tripulação eram apenas os meus sentidos e a plena vontade de evaporar, com tantos detalhes que vazaram, ensinaste-me rosas e espinhos, coisas que um dia hei-de enfrentar. Vi muito no pouco que aprendi, mas sei que é antes suposto eu viver e, dentro de ti, no fim da viagem, vi que, afinal de contas, nunca estive em nenhuma paragem. Tudo isso é uma corrida com o fim já marcado numa data alheia.
"Qual é o interesse de ter que escolher um caminho? O que há de especial nisso, quando na verdade, qualquer um, num pequeno descuido atravessamos a margem e morremos?", pensei comigo.
"Ham!", percebi que este é o momento para esquecer os altos e baixos, fomes e riquezas, desconfianças e razões, prioridades e opções, gozos, mentiras e a maneira como é subvalorizada a nossa humildade, para apenas viver, porque nada é mais difícil do que isso.