Espanto
- O que está acontecendo? - Está com alguma tristeza? - Por que não deseja mais pintar os cabelos? Por que quer deixar aparecer os brancos? Estas foram as perguntas que minha mãe fez ao saber que estava deixando os cabelos na cor que a herança genética foi determinando.
Para minha mãe só respondi que não era o que poderia estar pensando. Que ficasse tranquila, estava tudo bem, não estava triste, mas com expectativa de, inclusive, melhorar o estado de aparente tristeza, pois certamente sentiria menos enxaqueca causada pelo forte cheiro da tinta, usada quinzenalmente para esconder os cabelos brancos.
Não estou desiludida com a vida, embora não tenha nenhuma ilusão quanto a possibilidade de realização plenamente humana numa sociedade que explora a força de trabalho indiscriminadamente e descrimina socialmente o negro, o deficiente físico, a mulher, o idoso, todas as pessoas que não se enquadram em sua própria lógica.
Também não se trata de restrição médica ao uso de produtos químicos contra indicados a algum tipo de tratamento de saúde.
Não é influência do modismo dos cabelos platinados, pois este fará as mulheres consumirem muito mais produtos restauradores dos fios que são drasticamente danificados com o processo de descoloração.
Também não sei se estou mais presa à vida do que a morte, ao encanto ou desencanto com a beleza das coisas.
Sei que quanto mais tomo consciência do padrão de beleza do mercado, mais percebo o afastamento da particular beleza do ser humano, muitas vezes irreconhecível pelas deformações estéticas sofridas.
Sei que envelhecer não é nada agradável numa sociedade em que valemos pelo quanto produzimos em função do lucro.
Mas também sei, que existe uma margem de liberdade, podemos fazer algumas escolhas.
Estou escolhendo ocupar o pouco tempo “livre” que acredito ter, fugindo do controle dos senhores que se empenham em estabelecer padrões de beleza, de arte, de lazer, de formas de amar, etc. e assim vão transformando tudo em mercadoria e se apropriam não somente dos bens materiais e espirituais que produzimos, mas de todo o nosso ser.