A FORMA DA ÁGUA

De volta ao aquário, mergulhei no silêncio da água, vendo as pequenas borbulhas flutuantes subindo para a superfície, deixando um veio de brilho e cor pelo caminho. Não era de se estranhar que mesmo diante de tão assustadora figura, ela se envolvesse de amor e compaixão. Aquele ser bizarro era como ela, um ponto de observação obscuro solto no ar. Identificou - se com o grotesco, não porque fosse bela, não. Era grotesca também. Aprendeu isso no olhar de seus espectadores indiscretos, e cedo percebeu que não receberia o afeto que talvez lhe coubesse, passou desde então, a viver com o possível. E era a partir desse olhar que ela enxergava o estranho a sua frente. E o amava com o amor que desejava para si mesma. Se pudesse dizer, se pudesse, mas não podia. Não tinha voz, como não tinha vez. Mas, mesmo assim, se pudesse dizer diria que o bizarro era só diferente, e na sua diferença havia uma beleza tão ímpar que chegava a serem bizarros aqueles que o censuravam. E, sem ao menos perceber o processo que se deu enquanto ela pensava sobre isso, viu - se curada. Sua voz ressurgiu num fio frágil, mas límpido e constante. Pensando resgatou de vez a voz um dia perdida. Ou quem sabe roubada, quem saberá. Cá embaixo, no profundo e silencioso aquário, eu ruminava  a história do grotesco que se desenrolava lá na superfície como se fosse a  verdade. A minha verdade;  quando tudo não passava de ficção.

P.S.: Inspirado no filme de mesmo nome de Guillermo del Toro

Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 13/02/2018
Reeditado em 13/02/2018
Código do texto: T6252365
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