VIRGÍNIA
Chegamos em nossa homestay à noite, sob o manto neblinado do tempo. Logo à porta, o armário de casacos e sapatos me chamou atenção, ninguém circulava calçado pela casa. Gostei. O ar era aquecido e agradável como um abraço. Respirei confortavelmente, e apesar de todos os aposentos serem carpetados, havia um quê de limpeza pela casa. Virgínia era uma filipina de uns sessenta anos ou quase, sorridente e gentil. Nos próximos dias, seríamos suas filhas. E como uma boa mãe, ela nos prepararia pelo menos o breakfast e o dinner, já que no almoço estaríamos na escola. E assim ela fazia, bem ao seu estilo de vida saudável. Pela manhã, não faltava pão integral, cereais e, vez ou outra, croissants e muffins de chocolate. Sucos e café solúvel também estavam garantidos, como as frutas banana, maçã e avocato. À noite, quando retornávamos da escola, lá estava o jantar quentinho. Arroz integral, o frango empanado do Nando's. Às vezes, era uma salada, um mix de folhas e sementes. Um refogado de carne. Uma salada fria de macarrão. Salsichas assadas e até uma espécie de sopa mais consistente. Virgínia não comia carne. Tudo bem equilibrado, com pouco sal e meio agridoce. A princípio, confesso que estranhei, mas depois percebi que me adequaria facilmente àquele regime. Virgínia era excepcionalmente limpa. Sua cozinha era organizada e impecável. Nunca vi marcas de ingredientes pela pia, fogão ou geladeira. Tudo o que sobrava era embalado e guardado. Alguns produtos eram inclusive etiquetados. A louça era elegante. Cada prato, travessa, bowl ou xícara tinha um aspecto refinado. Ou era a espessura, ou o desenho da peça, ou a cor. Sei que esses detalhes me abriam o apetite. Nós, como boas filhas, lavávamos a louça depois das refeições. E até isso era agradável, pois o sabão líquido era de uma textura cremosa e deliciosamente perfumado. Como nossa mother trabalhava à noite, só nos falávamos pela manhã e mais tarde por meio de bilhetiinhos. Neles, ela nos comentava o cardápio do jantar e coisas da rotina, nós respondiamos agradecendo. Virgínia tinha um filho, Israel e o nome dele estava em todo lugar. Mas, ele já morava sozinho como era o costume. Às vezes, ela me parecia solitária, sempre assistindo programas de competição na TV, bem ao estilo Silvio Santos ou noticiários. E quando eu descia para tomar água, ela estava enroladinha no sofá com o aquecimento desligado. A sala me parecia gelada. Todas as minhas descrições são insuficientes para descrever a doçura e alegria em seu olhar. Virgínia era simples e amorosa. Ela me ensinou sobre desapego de um jeito direto e extremamente profundo. O seu amor estava expresso no cuidado com as coisas e as pessoas. Eu achava curioso quando ela escrevia "help yourself" e engraçado quando ela repetia a expressão " to you " Ela tinha o jeito dela de usar o inglês, aliás como todo mundo, em todas as línguas. Nos últimos dias, ela demonstrou tristeza com a nossa partida e chegou a chorar. E quando dissemos as últimas palavras, ela soltou um " alone again " que não só confirmou meus pressentimentos como despedaçou o meu coração.