Defeitos São Vitais

O defeito no ser humano é uma espécie de muleta. Não. Mais que isto é uma âncora. A âncora tanto prende o navio a terra firme, quanto o deixa navegar livres pelos mares a dentro, ou afora.Quando içadas dão mobilidade, quando estendidas promovem a segurança de um porto seguro.

Portanto, quando acontece o trauma arranjamos um defeito ( um recalque) para substituir o que perdemos. E vamos construindo defeitos sobre as frustrações. E assim seguimos vivendo.

Uns acreditam em falsos sonhos, que não tem a menor chance de realizar. Outros encontram uma distração obsessiva sem a qual não conseguem ir adiante. Outros criam manias absurdas, as quais justificam como imprescindíveis. Outros se atiram de cabeça em vícios dos quais não precisam, mas querem, como algo dispensável aos olhos dos outros, mas completamente dependente e dominante para aquele que o manifesta.

Por isto temos um edifício completamente em construção, cujo material é exatamente os nossos defeitos, envolvidos num disfarce difícil de localizar e muito mais ainda difícil de eliminar. Por isto nos diz Clarice Lispector 'Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. '

Se decidíssemos de uma hora pra outra eliminarmos nossos defeitos todos, sempre que chegássemos a um esteio mais forte e ao mesmo tempo de delicada remoção, adoeceríamos, ou até morreríamos de inanição, ou seja seria como a perda do objeto primordial, o coordenador de todas as nossas formas de ação.

Assim como medida de urgência nosso 'sensor de defeitos' logo arranjaria outro para substituímos aquele, e não se sabe ao certo se seria um defeito mais brando, plácido ou um defeito arrasador.

Todavia nossos hábitos e manias precisam, antes de serem anulados, de serem analisados no que os fizeram, no que os tornaram possíveis, e tão reais. E só depois reconhecidos como os essenciais e os dispensáveis.

Os essenciais deixamos aos cuidados profissionais de alguém, ou até de um orientador religioso. E os dispensáveis vamos trabalhando no dia a dia para reconhecer e validar a nossa necessidade de sermos cada dia melhores. Na família, nas amizades, nas profissões, nas diversões, enfim em todas as esferas de relacionamentos.

É assim que se mudam as humanidades, que nos adaptamos ao mundo que conseguimos ver e no qual vivemos.

Até pensei que isto resultaria pior, afinal vejo que podemos e devemos nos habilitarmos ao sumo bem. Que ótimo!

In: Defeitos são Vitais. Prosa de Ibernise.

Barcelos/PT.17JUL2017