Inquérito de Amor Emérito
Seus olhos se encontraram
E se perguntaram num ar de riso
Nunca mais quis ser feliz comigo?
E marejados de saudade
Pediram um copo d’agua
Tinham muita sede
E sem despedidas
Afastaram-se
Voltando a se encontrarem num relance
Quase lá na volta do passeio.
Não era dia de se amarem
Só dia de se sentirem amados.
Algo assim tão profundo e tão especial
Vive de saudade mesmo quando
Tudo é proximidade.
Os momentos são tão únicos e especiais
Que não há hipótese de serem repetidos
Daí a saudade ser a única forma de revivê-los.
A expectativa é sempre a superação
O desejo naquele grande amor,
Apaixonado amor,
É desbravador e insatisfeito
Mesmo cheio, trasbordante de satisfação.
Só as coisas abstratas são reais
E sendo reais logo ganham materialidade
E o prazer que se tem é estranhamente pleno,
Pois o que se quer é felicidade.
E o que se tem? Tristeza e felicidade.
Tristeza no desejo de renovação,
Felicidade na lembrança do fato
E na possibilidade de sua repetição.
E as perguntas surgem diluídas na paisagem
Onde ambos já haviam estado.
Eram inevitáveis...
‘Quando?' Disse a lua para as estrelas no céu.
'Em breve’, disse o vento
Que seguiu amada e amador até as suas casas.
Mas a natureza que estava entre os dois
Insistia em questionar:
‘Quem vem, quem vai?’
Disse a nuvem, que começou a chorar
(Não queria que existissem partidas entre os dois)...
‘Eu’.
Disse o cavalheiro esguio.
‘Como vão se amar?’
Disse o sol, que derrete o chão,
(Que impede a ação do tédio na espera),
A arder naqueles corações,
Que só querem se encontrar e se amar.
‘Por que?’ Disse o rio que se negava a correr,
Queria entender lá bem no fundo.
Porque tanto amor em tanta incerteza?
A certeza nunca está no amor.
Disse o rio a si mesmo.
‘Onde?’ Disse o trovão sem emitir seu som.
Queria no silêncio estrondoso
Captar a doçura daquele sutil enlace.
‘Aqui.’ Disse o homem-ave, cavaleiro de lança erguida…
E o reencontro finalmente aconteceu.
In: ‘Inquérito de Amor Emérito’ Prosa de Ibernise.
Barcelos 01FEV2014.