AUTOBIOGRAFADO
Eu escapei de ser morto desde que nasci
Mamãe tentou vários abortos e renasci
Perdi meu olho numa recaída de sarampo
Nasci com infertilidade sem alevinos tortos
Tenho um rim apenas e fora do lugar como cabelo sem grampo
A que os médicos chamam de ectópicos
Tentei mil vezes o suicídio e depois da milésima desisti
Porque fui covarde ou porque fui um verdadeiro estoico
Perdi esposa, cachorros e a perseguição continua como poeira e varrição
O mal é inquisidor sempre na contramão do seu histórico
Nunca desiste enquanto houver muro e indecisão
A consciência pesa mais a ledice da alma tem mais conteúdo
É como o beijo em cuja comissura dos lábios
Há o arco do cupido a espera de flechar outros lábios untados
O vizinho te vigia mais te estende a mão sempre contaminado
Ou seria o bem a causa de minha dor???
Não sei?, Sigo, sem amigo... Sem abraço e condecoração
Solitário o espelho é meu abrigo, umbigo e cobertor
Ao narciso cabe a profundidade de adentrar na sua identidade
Aprendendo sozinho a lutar pela sobrevivência
Sei que tudo tem sentido e direção
Só não consigo acreditar nesta razão
Vou indo seguindo sem bússola a cega multidão
Ouço vozes no meu silencio
E no cio de minha razão as evidencio
Sei lá pra onde vou como bola sem gol
Sei lá de onde venho como fogo sem lenho
Deve ser devido ao sofrimento constante
Que doravante devo ter sido
Parente de algum Jó bíblico e distante
Não reclamo, me desaponto sim e ponto adiante
Em cada canto uma esquina errante
Sei lá... O que oferece o ser lá de cima!
Se tudo está escrito pelo poeta maior
Desisto de apagar as minhas rasuras
Loucuras estão aí em todos os lugares e culturas
Só sei que como ladrão preciso fechar meu corpo
Se não adentram e vigiam-nos de noite e de dia
Faço poesia pra despistar meu sofrimento e minhas ranhuras
Faço da vida um pedacinho de fuga
Faço do tempo a ruga que ele minha pele costura
Faço de minha pele o aço cortado em poros açoitados
Rezo, vou vivendo, vou...sem me sentir um pobre coitado
Este sou eu em minha sutura.