Fragmentos de um sonho
O carro acelerava rumo ao desconhecido, e ele, no banco de trás, cabeça voltada por sobre os ombros, permanecia com o olhar perdido na distância já percorrida, tentando, em vão, ver de novo – ainda que só de relance – aquele mundo mágico no qual vivera os melhores dias de sua vida, cenário agora encoberto pela densa nuvem de poeira que as rodas do automóvel impiedosamente jogavam para o alto.
Vez ou outra voltava seu olhar para a frente, mas, ainda que nessa direção não houvesse poeira a lhe encobrir a vista, não conseguia ver absolutamente nada. Fechava, então, seus olhos de menino e, ao único som para ele audível – as batidas aceleradas de seu coração aflito –, podia ver claramente tudo o que não queria ter deixado para trás.
Tantos anos se passaram e aquela densa nuvem de poeira não se dissipa; permanece presente em sua vida, qual fosse uma eterna lembrança daquela viagem que nunca queria ter feito.
O mundo era bom, todos os sonhos – e eram tantos! – pareciam perfeitamente possíveis; mas aquela maldita cortina de poeira os encobriu, deixando-os presos a um passado que hoje lhe parece ter sido apenas... sonho!
Como uma cicatriz, aquela viagem marcou sua alma para sempre! Foi um divisor em sua vida; a partir de então passou a existir o antes e o depois. Mas o que haveria de vir pela frente, se sua visão interior seguia focada no tempo daqueles sonhos possíveis dos quais restou apenas a cicatriz de uma ferida mal curada?...
Ainda hoje, se alimenta dos sentimentos despertados pelas recordações recorrentes de um tempo que se foi. E esse alimento vem em pequenas porções, fragmentos de uma história de pura magia, como se fossem peças de um quebra-cabeça que ele, dedicado a reencontrar seus sonhos possíveis de outrora, segue formando, mas que no fundo sabe que jamais poderá concluir...