Apinajé sentia saudade de Bico do Papagaio, outrora, terra e domínio de seus ancestrais Maxacalis. E perguntava ao marido:
— Quantas luas homem branco gasta, montado em seu cavalo-de-ferro, daqui da beira do Juramento até Goiás?
— Sê besta, mulher. Que loucura é esta? Morcegar traseira da vespa de Vespasiano com uma barriga deste tamanho?
Sucedeu que a índia não voltou a ver seus antepassados. Sempre ocupada, a mulher do vaqueiro levantava no cantar do galo e dormia quando a galinha branca subia ao poleiro. Nos intervalos do almoço e do jantar, fazia bolo, pão caseiro, e torta para a Sinhá. Varria o terreiro da madrinha e molhava a horta do patrão. E por tudo isso, recebia como paga apenas o bafo da terra. Além da serra, muito além do tucunzeiro, a índia fora acuada por cães perdigueiros, e apanhada pelo laço do vaqueiro Onofre do Borá. Ela viveu no anonimato, ainda assim, deu nome ao marido Onofre de Apinajé, e em dores de parto deu-lhe também Chanana Tupixá, a última flor do laço conjugal. Apinajé fechou os olhos. E naquele mesmo ano em que ela morreu, a filharada debandou-se. Dois caburés de cabelos grossos, corridos, corriam na mata, feito filhotes de perdiz, guiados pelo mais velho que tinha na cabeça o mapa geográfico da tribo Maxacali. Sem temor nem medo, os filhos da índia mergulharam, mata adentro, gerais afora, e depois de muitas luas, por instinto selvagem, fizeram contato com seus ancestrais e lhes deram notícias da morte de Apinajé. Contaram das festas de homem branco e das músicas que a mãe nativa tocava em honra a seus antepassados. Após isso, anos-luz se passaram no calendário de uma pulga. E, longe da serra, das terras em que Corina sepultou o próprio coração, seu corpo insepulto, representa apenas um vulto do que era antes. Ali, naquele agora, ela dialoga com o passado. Arruma o presépio no canto da sala na casa da Tijuca. E sorri, e chora ao recordar-se da fazenda Campo Grande.
Era Natal do ano de mil e novecentos e setenta e tantos.
***
Adalberto Lima, fragmento de "Estrela que o vento soprou"
— Quantas luas homem branco gasta, montado em seu cavalo-de-ferro, daqui da beira do Juramento até Goiás?
— Sê besta, mulher. Que loucura é esta? Morcegar traseira da vespa de Vespasiano com uma barriga deste tamanho?
Sucedeu que a índia não voltou a ver seus antepassados. Sempre ocupada, a mulher do vaqueiro levantava no cantar do galo e dormia quando a galinha branca subia ao poleiro. Nos intervalos do almoço e do jantar, fazia bolo, pão caseiro, e torta para a Sinhá. Varria o terreiro da madrinha e molhava a horta do patrão. E por tudo isso, recebia como paga apenas o bafo da terra. Além da serra, muito além do tucunzeiro, a índia fora acuada por cães perdigueiros, e apanhada pelo laço do vaqueiro Onofre do Borá. Ela viveu no anonimato, ainda assim, deu nome ao marido Onofre de Apinajé, e em dores de parto deu-lhe também Chanana Tupixá, a última flor do laço conjugal. Apinajé fechou os olhos. E naquele mesmo ano em que ela morreu, a filharada debandou-se. Dois caburés de cabelos grossos, corridos, corriam na mata, feito filhotes de perdiz, guiados pelo mais velho que tinha na cabeça o mapa geográfico da tribo Maxacali. Sem temor nem medo, os filhos da índia mergulharam, mata adentro, gerais afora, e depois de muitas luas, por instinto selvagem, fizeram contato com seus ancestrais e lhes deram notícias da morte de Apinajé. Contaram das festas de homem branco e das músicas que a mãe nativa tocava em honra a seus antepassados. Após isso, anos-luz se passaram no calendário de uma pulga. E, longe da serra, das terras em que Corina sepultou o próprio coração, seu corpo insepulto, representa apenas um vulto do que era antes. Ali, naquele agora, ela dialoga com o passado. Arruma o presépio no canto da sala na casa da Tijuca. E sorri, e chora ao recordar-se da fazenda Campo Grande.
Era Natal do ano de mil e novecentos e setenta e tantos.
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Adalberto Lima, fragmento de "Estrela que o vento soprou"