A Montanha II

Atamos nossas redes no alpendre da velha casa onde nasci. Cedo, ainda, o vento soprava forte e procurei me agasalhar sob o cobertor, lembrando-me de quando ali adormecia embalado pelas cantigas e o violão do meu pai. Às vezes, já adormecido era despertado pela minha mãe para beber um copo de leite quente, sem esquecer-se de passar a mão na minha cabeça e beijar meu rosto infantil. Hoje me trazendo um cheiro de saudade que nunca mais saiu de mim. Com essas lembranças adormeci sonhando um sonho de alegria. Às três horas da madrugada, escutei alguém me chamar, e mesmo acurando os ouvidos, só percebi o vento num sibilar característico, açoitar o telhado do casarão que para mim guarda segredos do tempo de menino. Mirando a montanha enxerguei uma luz navegando sobre ela, e logo percebi ser uma misteriosa estrela cadente. Não voltei à rede para dormir, e assisti o nascer de um dia cheio de esplendor com o Sol brilhando e expandindo raios de luz sobre a Terra, e a manhã sorrindo quais flores da primavera. Alegre, abri uma porta do meu interior, onde só entrava felicidade. Aí pensei subir a Montanha.

Com mochilas as costas, eu e Calixto caminhávamos por um estreito caminho que nos levaria a Montanha. Por aquele caminho havia passado diversas vezes quando menino conduzindo ovelhas para pastarem no alto, onde também existia água com profusão. Nesse caminhar às quinze horas chegarei ao Platô, pensei. Havia chovido e entre pequenos arbustos, calangos assustados procuravam encontrar formigas, suas presas prediletas. Olhando as árvores maiores sabia que haviam nascido depois da minha derradeira passagem pelo lugar, elas estavam florando e dava uma beleza especial formando um belo vergel. Agora a subida era íngreme e exigia maior esforça. Embaixo de uma imburana de cheiro florada, exalando perfume, parecendo um presente da Natureza, sentei-me junto com Calixto para um repouso, e logo percebi a presença de pequenos sauins observando. Era meio dia e escutei o canto da Acauã e observei araras sobrevoando o alto da Montanha, acontecimento que me trouxe alegria e recordação. A tarde veio chegando mansa e fria, continuei subindo, e às quatro horas cheguei ao Platô. O Sol despencava quase beijando a Montanha com temperatura mais baixa. Armei uma barraca e esperei a noite chegar, quando as estrelas brilharam e a Lua mostrou seu esplendor. Era noite, estava no lugar sonhado que há muito queria estar.

Na frente da barraca nos sentamos sobre as pedras e observei com acuidade o céu, onde as estrelas aparentemente se movimentavam e em alguns momentos pareciam chegar mais perto, e observando esse movimento, em um momento, pareceu-me estar no alto entre estrelas e astros, partícipe de todo aquele movimento entre as luzes. Dessa forma cheguei ao lugar diferente de todos que meus olhos já viram. Passeando entre pessoas que me cumprimentavam com naturalidade, tinham o mesmo aspecto físico que as pessoas da Terra, porém, pareciam ter uma matéria diferente, menos densa. Era uma cidade muito clara recebendo luz do alto, que eu nunca havia visto, e construções suspensas do enigmático solo. Observei um imenso parque onde existia um lago, árvores, flores e pessoas passeando com crianças. Olhei para o alto e vi muito distante, Estrelas e Astros. Noutro momento estavam bem próximos que imaginava poder toca-los. Procurei conversar com Calixto e o vi caminhando com naturalidade, aí pensei; eu fiz a passagem para outra dimensão ou estou muito distante da razão, mas não senti medo, pelo contrário, senti acolhimento.

Encontrava-me num fascinante lugar, com campos verdejantes, floridos e gigantescos pássaros sobrevoando a cidade; águias, condores, gaviões, araras gigantes e outras aves desconhecidas. Voavam suavemente sobre prédios que ornamentavam a cidade. Animais também desconhecidos corriam pelos os campos gramados, certamente, eram animais que viveram nos oceanos antes da separação dos continentes, espécimes que conhecemos como pré-históricos. Fui informado que esses pássaros também viveram na civilização Atlântida e foram conservados por esse desenvolvido povo. Os prédios do lugar, bem alinhados mostravam perfeita simetria, fruto de engenharia ultramoderna com paredes de cristal e luz solar. As construções se diferenciavam, porém, mantinham a mesma linha arquitetônica. Dois edifícios se destacavam entre os demais, sendo um, o teatro e o outro, um centro cultural, ambos me foram mostrados posteriormente.

A energia utilizada era captada do Sol, de forma que à noite, gigantescos focos de luz transparentes e soltos no espaço clareavam a cidade parecendo ser dia. Lembrava uma cidade cenográfica, mas tudo era natural. Belos homens e mulheres transitavam pelas ruas com alegria, vendo nossa presença com naturalidade. Negros e brancos se confundiam na luz, parecendo de uma só altura, exceto as crianças, e nós parecíamos seus conhecidos. Naves espaciais cruzavam o céu, só sendo vistas ao descerem, quando subiam, segundos depois, tornavam-se invisíveis e silenciosas. Tratava-se de um lugar de pessoas avançadíssimas em ciência, tecnologia e espiritualidade. Eu desconhecia tudo o que via, mas na minha memória, sentia que aquele lugar não me era estranho, provavelmente havia gravado em vidas passadas em civilizações também adiantadas.

Fui recebido em palácio e apresentado por Estéfanni aos dirigentes da Cidade, sabendo que lidava com seres altamente evoluídos, pois tinham uma boa energia e transmitiam ensinamentos, falando uma língua que eu entendia, mesmo sem conhecer a deles, também se comunicavam pelo pensamento, vestiam-se elegantemente com roupas leves prateadas e quase coladas ao corpo, mas parecendo pessoas bem comuns, tinham os sentidos mais aguçados, comunicando-se por pensamento e a alimentação básica era água, frutas, legumes e mel silvestre. Eles possuíam um corpo com matéria menos densa e viviam em harmonia entre si, e a natureza. Também, percebi que dominavam mais atributos espirituais que os habitantes da Terra; Materialização e desmaterialização, coisa que ainda estudamos precariamente.

A luz do dia foi esmaecendo chegando à noite, calma e serena qual o pouso de uma garça. Cascatas de luz em cores envolveram o recinto, onde um seleto número de pessoas aguardava um pronunciamento de Estéfanni. Um globo terrestre suspenso ocupava o centro do salão. Com desenvoltura Estéfanni explanou sobre as áreas de risco marcadas no globo. Os lugares em destaque indicavam; queimadas na floresta, rios, lagos e mares poluídos, depósitos de armas nucleares, laboratórios de armas bacteriológicas, oceanos onde navios e submarinos transportavam ogivas nucleares, entre outros perigos que indicavam a situação de risco envolvendo o Planeta Terra. Recebi cumprimentos dos presentes que me desejaram boa sorte, por ser eu mais uma criatura unida ao grupo planetário defendendo a preservação do planeta.

Vivenciei, então, um momento fascinante de puro encantamento, parecendo não estar na terra, mas lembrava de que, ainda criança minha mãe falava de um paraíso imaginário, onde tudo era perfeito, um lugar sagrado que abrigava os espíritos mais evoluídos. Ela chamava aquele lugar de Éden, de céu imaginário, por parecer tudo perfeito. Depois da cerimônia uma suave música envolveu o espaço e Estéfanni sentou-se ao meu lado, eu sentia-me extasiado pela música, pela dança e pela beleza de Estéfanni negra e seu perfume sedutor, seus olhos cor de esmeralda se destacavam no seu corpo sedoso e macio que me fez esquecer por alguns momentos a cidade encantada e seus estranhos e simpáticos habitantes.

Em companhia da jovem Estéfanni visitei as dependências do belíssimo prédio onde me encontrava, promovendo descobertas inimagináveis, sem fazer comparações porque antes, nada conhecia sobre outros povos ou mundo que não fosse o meu. Estéfanni teceu profundas considerações sobre a existência da terra como planeta, adiantando que para vencer as barreiras da destruição do Planeta, depende do comportamento do homem nos próximos anos. Os recursos naturais estão sendo devastados, e a água escasseando em muitos países. Por esta razão existe a necessidade de salvar a terra para que ela possa inteirar o derradeiro ciclo, chegando a um rico desenvolvimento científico, tecnológico e espiritual se preparando para um recomeço conforme aconteceu no passado, quando seus habitantes migraram para outros Planetas na órbita do Sol.

Estéfanni adiantou ainda, que todos os conhecimentos adquiridos pelo homem em épocas passadas estão armazenados em sua memoria, sendo transmitidos de acordo com as necessidades, e a capacidade de memorização do homem, que busca dentro de si a ciência para seu próprio desenvolvimento. Eu gravava todas essas informações em minha consciência e diante dos lógicos ensinamentos ficava cada vez mais consciente do valor da preservação dos recursos naturais da terra, recordando que aquela luta era milenar. Naquele momento eu estava adquirindo também o direito de recordar de algumas vidas passadas. Estéfanni me fazia recordar sem traumas, vidas anteriores, então eu percebi que ela era mais do que uma mulher negra inteligente, era sim, um mestre em ciência e espiritualidade.

Estéfanni pertencia a uma sociedade que possuía a mais alta evolução, vivendo num sistema onde o Estado não existia, sociedade sem classes, pacífica, livre, administrada racionalmente. Sábio povo consciente, vivendo em comunidades, buscando equilibrar o meio ambiente, usando poderes adquiridos com o conhecimento científico e espiritual desde remotas eras, quando no planeta existiram civilizações mais desenvolvidas das que hoje existem, ocultas por possuírem conhecimento muito além, e não estarem autorizadas a nos transmitir em virtude do nosso atraso em ciência e espiritualidade. Estéfanni expunha seus ensinamentos sobre a natureza e o que poderia ser feito pela terra. Muitos vegetais e animais desapareceram e outros estão ameaçados. As causas são diversas; mudanças do ambiente, dificuldade de reprodução, fome e, sobretudo a ação predadora do homem, lançando na água, ar e no solo, substâncias extremamente prejudiciais ao meio ambiente.

Consciente dos fenômenos que vivenciei, percebi o nascer de um radiante dia, com o Sol despontando no Oriente. Embasbacado com todos os acontecimentos,  lembrei-me de voltar. Contemplando a Montanha, com os olhos rasos d’água, a mente enriquecida com tudo que havia recebido, consciente que nada sei e que entre a Terra e o céu existem insondáveis mistérios, disse para mim mesmo: Muito breve voltarei à Montanha.
Antonio de Albuquerque
Enviado por Antonio de Albuquerque em 30/12/2017
Reeditado em 14/03/2019
Código do texto: T6212070
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