[A morte do desafeto]
O desafeto — todo desafeto poderia e deveria ser morto,
estripado à faca de cozinha, quase cega, mas letal — morto apenas para que se manifeste um certo ódio sincero de todos os dias.
Morto. Sim, assepticamente morto pela imaginação, pela alucinação do real, pela conjuração do possível — o diabo que for, que andar pelo mundo naquela hora fatídica — mas, inapelavelmente morto, enfim!
O desafeto andará pela rua, pelos corredores, e não saberá que já foi morto. Mas ficará preocupado ao avistar [e sentir] o sarcástico sorriso de louco do seu vizinho que o odeia, mas o cumprimenta pelas manhãs.
Os desafetos precisam aceitar que, num mundo sem Deus, eles podem ser mortos a qualquer instante. E o são. Basta olhar o noticiário da TV – os desafetos são mortos apenas pelo fato de estarem no mesmo mundo de algum vizinho. Esquisito dizer — vizinho, ou conterrâneo de planeta, o mesmo planeta!
É um perigo ser um desafeto num mundo com Deus, e mais perigoso ainda num mundo sem Deus! O vizinho é dostoievskiano — existe tranquilamente num mundo sem Deus; portanto, mata sem sentir remorso!
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[Desterro, 16 de dezembro de 2017, às 19h56]