Por acaso
A chuva caía insistente, forte e totalmente despretensiosa lá fora. Era um acontecimento natural, corriqueiro como respirar, comer ou pensar no amor da vida e Henrique não fazia nenhuma daquelas três coisas enquanto estava ali deitado na poltrona. Mas como é possível não pensar no amor da vida?, você deve estar se perguntando. A resposta é muito simples. Na verdade, uma coisa levou à outra. Ele já não estava pensando no amor da vida, porque de fato tinha morrido e, como esperado nessa situação, já não respirava. Além disso, morrera porque passara toda aquela tarde sem comer, pensando em seu amor com tamanha intensidade que consumira todo seu corpo. Tinha imaginado que assim atrairia seu amor, mas bem, não deu muito certo. No fim, ele tinha ido parar no nada do lado de lá e, para sua surpresa, sentiu-se em casa quando percebeu o que tinha acontecido. Porque, no fim das contas, aquele estado de coisa nenhuma, sem chão, cheiro ou cor, era muito parecido com a solidão que sentira e com a ilusão em que vivera pensando em seu amor.