AS PEDRAS RIBEIRAS DOS RIOS
AS PEDRAS RIBEIRAS DOS RIOS
Às vezes, a minha poesia nasce
no silêncio duro das pedras,
que amolecem porque o tempo as cobre de limos
às margens fundas e empedradas dos rios,
e os peixes as comem como se fossem algas,
mas são pedras ribeiras tingidas
de verde vegetal amolecidas pelo tempo.
Parece fácil, mas não é, gerar poesia
dessa mudez dura das pedras aquáticas,
que se ocultam sob as águas escuras,
visíveis apenas pelos peixes que nadam,
em sua maioria pequenos, por estreitos corredores
frios, ostentando sorrisos sutis nas falas
silenciosas, gozando do deleite de adormecerem
flutuantes, recostados nas paredes limosas
das pedras esquecidas na sucessão aquosa do tempo.
Ocorre que, o poeta nato, o que sente a poesia
fluindo-lhe da essência criadora,
não se surpreende com a proeza artística
que lhe conduz a penetrar no íntimo
profundo das coisas, e delas retirar o que lhe convém,
para nutrir-se do instante precioso
que a linguagem poética lhe oferece, gerando assim,
inesperadas minúcias inspiradoras
que, como a alma que evolui, se renovam
no silêncio aparente que habita na vida espiritual,
a mover, além das almas, também as pedras,
as algas, os peixes, as águas, que não ficam retidos
nas sombras estagnantes, porém, seguem
envoltos nas luzes lampejantes do tempo,
que se dissipou deixando os rastros
das coisas por entre as veredas astrais.
O poeta sabe que não há limite à geração da poesia,
por isso, se contenta com o pouco que dela
brota pelas fendas das pedras cobertas de algas,
onde os peixes pequenos habitam e acasalam festivos,
bem unidos pelo amor provido do íntimo
silêncio, no qual somente se ouve a imperceptível
sonoridade de deliciosos gozos carnais.
Não há então, porque se ocupar o tempo todo
com a ocorrência contínua das coisas,
como se elas deixassem de ocorrer em sua naturalidade.
Por isso é que, no silêncio duro das pedras
limosas, o poeta não se incomoda
que os pequenos peixes nadem contentes
sob as águas escuras em seu hábitat natural,
porque ele sabe que a poesia é feita
em pequenos instantes inspiradores,
nos quais o tempo, como cúmplice da criação
poética, sempre reserva um novo momento
de visita da arte literária, onde outros versos
esperam em sonolências silenciosas
no interior duro das pedras ribeiras dos rios,
para serem utilizados em nova poesia.
Escritor Adilson Fontoura