LEMBRANÇAS CAMPESINAS
LEMBRANÇAS CAMPESINAS
No alvor do dia, no início da manhã ensolarada
em qualquer recanto campesino,
onde as gentes dentro das casas dispersas
apenas ressonam nos últimos resquícios de sono,
ouvem-se, no entanto,
rompendo o silêncio do ambiente campestre,
as árias melódicas cantadas
pela variedade de pássaros matinais.
Mesmo assim, a paz nos campos
parece aprazer-se com a simples quietude;
e só é possível pela presença tímida
da pouca gente que quase não fala,
ou só fala, para saudar alguém que passa
apressado, tocando uma alimária
lenta pelo peso da carga, que deverá
ser vendida no bulício da feira livre
da cidade, sob o sol já cálido da manhã.
Do chão do caminho de terra batida,
o vento afoito varre a poeira quente
que se dilui por entre as árvores amanhecidas.
Dói nos ouvidos o som do silêncio,
que ora é rompido pela batida de cancela,
pelo rugido do gado, ou pela pequena
queda-d'água oculta na grota do boqueirão.
Nos campos é assim: a natureza
quase sem gente prevalece pacífica,
sem pressa para existir, porém existindo
bebendo na fonte da simplicidade,
sequiosa para semear o amor tão natural.
A pouca gente vivente nas lonjuras
campesinas, gozam quase sempre
de suas vidas longevas, porque não percebem
o tempo passar nas coisas simples que fazem;
porque fazem essas coisas de um jeito
desapressado; porque antes de faze-las,
não abrem mão de tomar um café quentinho
e saboroso feito no fogão a lenha;
e após, bem abstraída, pitar um cigarro
de fumo-de-rolo sentada num banco na frente
da casa, sentindo a paz que a natureza lhe traz.
Não contam nem sentem passar,
como as gentes das cidades, os dias e noites
que se sucedem ante as obrigações, compromissos
e preocupações existenciais.
A gente que habita nos campos, apenas acorda
dia após dia, e trabalha despreocupada
com a alma limpa dos vícios mundanos.
E quando chega a noite,
antes dessa gente pacata dormir,
ao som do cri-cri dos grilos, do coaxo dos sapos,
do canto plangente das aves noturnas,
sentam na porta e sentem o maior prazer
em contar os causos lendários de lobisomem,
saci-pererê, mula sem cabeça,
mulher de sete metros, boitatá, negrinho do pastoreio...
Enquanto contemplam as maravilhas astrais
no céu estrelado, no qual o sol, clareando a lua,
irradia a luz natural de Deus
nos imensos espaços celestiais noturnos.
Talvez imite Caeiro ou Transtromer,
que fugiram para o campo
com a intenção de escrever versos neturais
tão belos. Ou talvez seja porque vivi
uma boa parte de minha vida no campo,
pelo ofício que abracei. Relembrando assim,
com frequência em minha poesia,
quão prazeroso e saudável é desfrutar
da vida simples e tranquila
no ambiente campesino.
Escritor Adilson Fontoura