POSSO FICAR NA MINHA PAZ?
Sei que há muitas coisas acontecendo no mundo.
Mas, estou aqui, aquecido pelo sol, ouvindo o cantar do passaredo, e o vigor da máquina de lavar; vendo os trapos de limpeza secando no varal. O arranhador dos gatos tem as bolas (com penas espetadas) ao sabor do vento, pois as molas onde grudadas são ótimas bailarinas. A arara de madeira articulada até se esforça para saindo voando, mas, muda, conforma-se em me entreter na engenhosidade de sua criação. O céu azul não denuncia qualquer estado beligerante; é paz.
Queria me sentir mal em querer ficar aqui de boa, expondo minha recém-operada barriga à insolação, em busca da vitamina D que não absorvo do quarto, mas, sinceramente, não me sinto. Minha zona de conforto é meu quintal, onde posso ficar contando o tempo passar ao meu redor, em espirais cônicas cada vez mais afuniladas. Sei que não perco tempo; apenas o utilizo em proveito próprio. Egoísmo ou sensatez?
Digamos que estou repondo as energias gastas com palavras atiradas com bodoque de galho de árvore e tiras de elástico. As palavras voltarão como bumerangue; por ora, estão fincadas no endereço daqueles a que se destinaram. Quando chegar a cem por cento, o sinal será a busca pela caneta mais próxima.
Os gatos me visitaram por um momento. Miaram como que chancelando minha postura. Ouso dizer que entendi suas falas, seus olhares de espreita. A presa, certamente, é minha dúvida: se me levanto e parto para a escrita ou se permaneço ronronando no bem-bom.
Nem televisão estou vendo, para não contaminar minha atmosfera de paz. Que fiquem lá com suas opiniões próprias de quem precisa de audiência. Meu foro é íntimo.
Sei que há muitas coisas acontecendo no mundo.