Caçadora de voragem

Refervia a sopa de ossos enquanto o fundo da lata de ervilha exibia olhos de bestas-feras moralistas e folhas avulsas rolavam no chão como um inventário de frustrações. Idas mágoas do poente ressurgiam, tinham delíquios de gozo e de cansaço. A volúpia amorosa triunfava sob o manto da noite, e a tristeza aduzia-a a tempos de outrora. Encrespou-se o mar com o vento. Encrespou-se os lábios num simulacro de sorriso. O último espasmo trouxe consigo uma parte do peito no momento em que uma vespa enredava-se num lírio purpúreo. Caçadora de voragem, não perguntou por Deus. Os ponteiros do relógio enlanguesciam e a vida pedia as suas migalhas como quem come um naco de orelha enquanto acompanha o minguar da lua. Seu corpo será a tumba onde guardará seus sonhos heréticos... que nunca viram primaveras nem agostos passarem. Hiatos preenchidos de perenes silêncios.

Queria a lua de outono sob seus calcanhares, mas não pôde comprar uma noite de sono e nenhum nome sorriu em sua boca.

Hellen Leandro, 2017 .