Eu não estou aqui
Um a um meus passos seguem, ziguezagueando os túmulos frios desse cemitério da zona sul de Porto Alegre. Por aqui estão enterradas muitas histórias de superação, força, coragem, desprezo e angústia. É dia de finados e a maioria dos túmulos estão cobertos com flores e outros adornos. Hoje foi um dia de lembrança, de abraça-los uma vez mais, ainda que sem o calor da vida.
Conforme passo os olhos sobre as lápides, reparo em parte dessa história, contada em breves linhas de seus respectivos epitáfios. Algumas mais simples, como as de João Pedro, "Pai amoroso e Marido exemplar". Outras complexas, como a de Rafael Goulart: "Sem cessar, buscai o infinito". Mas foi essa aqui a lápide que me fez parar e refletir durante um momento.
Um filho que se lembra do pai, ao ter de montar sozinho seu novo kit de aeromodelo. "Como era atencioso e caprichoso". Uma neta que come um pedaço de bolo, não tão bom quanto o da avó querida. Também um homem adulto, ao fuçar seu porão e encontrar o disco de freesbie, todo mordido, daquele velho amigo de infância. Aqueles fantasmas do passado viviam dentro de cada uma daquelas pessoas, em forma de sentimento, lembrança, carinho e amor. Foi por isso que esse epitáfio me chamou tanto a atenção e com quatro pequenas palavras me fez imergir em reflexão. Ele diz:
EU NÃO ESTOU AQUI.
Obrigado ao senhor Mário Quintana, por além de toda sua obra em vida, trazer-me esse pequeno momento de clareza. O senhor realmente não está aqui. Você é um poeta vivo.