Natasha por Maria

Sou da vida, não nego, comecei aos quatorze, nos Arcos da Lapa. Entrei nessa vida não por vontade, mas por necessidade. Precisava de dinheiro, não fiz por maldade. Maria da Rocha Batalha, esse é o meu nome. De noite me chamam Natasha.

Ser puta é uma desgraça, mas eu não tenho escolha, essa é a minha praça. Até tentei trilhar outros caminhos, buscar um emprego, ou homem rico e sozinho. Mas me fecharam as portas na cara. O homem encontrei, mas me trocou por Sara, uma prostituta da minha vara. Me desculpem por estar fumando, talvez alguém aqui não goste, mas é que o cigarro me ajuda a controlar a minha ânsia de falar, me ajuda a dizer porque é que eu fui ser Natasha, a morena linda da Lapa.

O pior do meu trabalho, não é o próprio trabalho, e sim o rótulo que, por ele, acabam me dando: Puta. Por que não trabalhadora autônoma, ou empresária? Não deixo de ser uma. Faço isso para o meu sustento, não por diversão, ou liberdade. Não existe profissão prostituta, é verdade, seria um caos registrar isso. Todos reclamam: políticos, empresários... Todos são contra, e até fazem campanha. Já até me expulsaram dizendo que não sou dama. Mas até esses acabaram na minha cama! Não sou dama, confesso, mas a todos peço: Não me tratem por puta ou por mulher que é suja. À noite eu sou Natasha, mas de dia, eu sou Maria.

Sempre que comigo se deitam e começam a dizer “Vai sua puta” eu paro tudo e digo: Não me chama de puta! Parece loucura uma puta que não é puta, mas creiam, sou assim, não nasci pra ser puta. Faço meu trabalho e nele faço de tudo, mas não sinto prazer por inteiro, penso no dinheiro e o resto eu burlo. 

O que eu quero dizer... É que eu também sou gente. Não sei porque me olham diferente. Certo dia me disseram: - Vagabunda, faz do teu corpo um mercado! Eu disse: - Gente imunda, falar de mim é o teu pecado! E esses que me recriminam são os mais nojentos. Porque fazem isso diante da família, diante dos amigos e amigas e no outro dia estão no bordel. E pedem coisas que até pra nós, putas, parecem absurdas.

Um dia um homem sério, desses cheios de critérios, renomado e respeitado, tipo deputado, apareceu no bordel: Sentou na mesa, roupa toda coesa, pediu whisky, foi na pista de dança e me arrancou pelo braço como criança. Amaçou minha bunda com fúria. Eu disse “calma” e o levei para o quarto. Lá, ele ficou de quatro e me pediu pra que também ficasse e lambesse sua bunda. Eu perguntei: Porque que eu tenho que lamber sua bunda? - Porque eu te pago pra isso. - Eu disse “Não, eu sou paga pra te dar a buceta, pra lamber o seu rabo é mais caro! Eu cobro por fantazia e pelo tamanho do quanto que ela me parece escrota. De pé eu já me sinto bicho, de quatro isso é mais caro. E ele me disse: Você pensa que é gente, mas é máquina de sexo. Como aquelas de refrigerante que você escolhe o sabor, põe a nota e a bebida cai.

- Então, senhor deputado... - lhe disse - o senhor que me considera uma maquininha que, conforme a nota, lhe dá o refrigerante do sabor desejado, poderia pagar ainda um pouco mais caro me deixando uma gorjeta no fim, pois além de lamber sua bunda vou lhe dar um brinde - e enfiei nela um consolo.

Ele gemeu e sem sombra de dúvidas gostou, até gozou. Mas o que fez? Me bateu, fez de tudo, pintou horrores, foi embora e não pagou. Dias depois ele voltou. Me tomou pelo braço e me puxou. Me disse: quero de novo! Lhe disse:

– Não posso, o senhor não é gente e violou a máquina de refrigerante sem notinha. Eu lhe cuspi na cara e disse “De toda forma, está aí o seu troco” e fui com outro.

Às vezes, quando estou num lugar com muita gente, como esse, paro e penso: “Quantos tem ódio de mim?”, “Quantos me taxam por fim?” e “Quantos me procuram mesmo assim?” Na vista, constato, foram vários! Deputados, empresários, foram vários!

Não sou vagabunda, eu tenho um trabalho. Eu até posso ser a maquininha de refrigerantes, mas só funciono, pela simples necessidade da notinha. Não gosto do que faço, mas faço porque preciso. Porque não tem jeito e nem saída possível.

Que mulher tem prazer em deitar com um qualquer? Eu te digo, nem mesmo as putas, todas fazem pensando em algum. Pra ser puta é preciso ser artista. Talvez seja por isso que tantas artistas sejam putas e tantas putas sejam artistas. (Olhando para os dedos) Tenho uma vida difícil, não queiram vivê-la. Eu sou mãe, tenho dois filhos, e por eles eu faço isso. Não morrem de fome, eu tenho compromisso. O menor tem dois anos, o maior é meu amigo, não me chama de mãe, me chama Maria. Por causa de sua tia, que na hora da raiva lhe disse que sou Natasha, a morena bonita da Lapa, que dá para os deputados e políticos e síndicos e empresários, que dá para os pobres que andam nas ruas e nos supermercados e que só de dia é que eu me chamo Maria. Eu ajudo, dou sustento, mas não sou mãe, sou vadia. Sinto-me ferida por dentro e amarga nessa vida. Me refugio, não tenho alento, mas ando sempre de cabeça erguida.

Sou Natasha e sou Maria,
Puta à noite e mãe de dia
Sou Natasha e sou Maria,
Sou gente humana, não só vadia.
Sou Natasha e sou Maria,
E quem de nós que não seria?
Sou Natasha por Maria,
Puta à noite e mãe de dia.

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Oscar Calixto
Enviado por Oscar Calixto em 19/08/2007
Reeditado em 23/05/2023
Código do texto: T614774
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