O COMPLEXO DO SUPERIOR
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Cava. Cava. Cava. E desfaz-se o véu, não mais que de repente. E pensar que o suplício infernal havia começado na sexta-feira pré-carnavalesca e prosseguido, indefinidamente, até os primeiros dias de jejum da Quarentena. Indefinidamente com dia definido? Simples, meu caro: a pessoa encarcerada não fazia idéia de quando seu habeas corpus chegaria. Imagine a angústia de um preso purgatórico por não saber se no segundo que vem a porta será aberta pelo capataz - ou quem sabe só semana que vem, jamais, ou até que se descobrisse uma forma de suicídio dentro de uma cela no próprio Mundo dos Mortos onde não houvesse instrumentos para tal e onde o oxigênio não precisa ser sugado, e a matéria é imortal. Digo, morta.
Imagine também a alegria de ver, após alguns dias, esse dia chegar. O dia em que a porta é aberta e pode-se ver que é dia, pois não está mais tão escuro. E algo mais crepita além do fogo. Talvez se esteja falando aqui de outro fogo, pois a humanidade e suas quinquilharias continuam apáticas como sempre: o fogo interior. Sobrevivo ao Réquiem.
Descobre-se que tudo não passava de tola conspiração. O mundo, nessa zona periférica de almas, não se encontra preparado para receber superiores, os mentes-fortes. Seu tosco mecanismo de auto-defesa apenas engana uma parcela desse tipo de ser, e não por todo o tempo, com espelhos mentirosos que dizem: “Eu sou incapaz de me adaptar a essa vida, eu sou um fracasso, por mais que lute eu não passo de um abaixo da média. Não há mais socorro. E todos sabem de minha condição”. A verdade é que ninguém sabe de condição alguma, não se precisa de nenhum socorro, é-se muito superior à média (que é, aliás, rente ao chão), tem-se a noção errada do que seria fracasso ou adaptação. Adaptação nem sempre é boa coisa, aliás, quase nunca. É risível um “escravo adaptado”. Fracasso de quem? Do explorador ou do explorado, se o explorado não obedece os comandos?
Quando a porta do purgatório se abriu viu-se claramente que a realidade era inversa à imaginada na cela/caixa-preta: é-se superior. Tão superior que não se é percebido como tal e que esses trâmites mesquinhos por que os bebês têm de passar não podem ser enfrentados. Porque se forem rebaixarão o ser supremo. Porque não passam de eventos simplificadores da cabeça. Tudo que fazem é imbecilizar. Isso para a nata. Para o pobretão, é um treinamento. Para quê treinamento se já se mestra?
Chuta-se, em seguida, tudo aquilo que um dia pareceu gigante e aterrorizou. Ri-se. Infla-se o ego novamente, talvez mais inflado do que antes. Disso resulta que o fracasso foi coletivo, não individual. E já estava lá antes do ser supremo vir ao mundo. Vir ao mundo, não da sua cela imunda. Acaso o confundiram com algum deficiente?
Por vários dias (para causar algum dano real teria de ser por período maior!) tentou-se infligir ao ser supremo a maior dor, a dor que só ele pode se causar, a dor da culpa e da sensação de inferioridade, psicológica. Ora, se se é superior sabe-se que a farsa dos fracos não pode durar muito. Quando finalmente é desmascarada, percebe-se o sofrimento técnico e o sofrimento passional como sendo partes de uma mesma engrenagem. Uma engrenagem deplorável, como pôde pegá-lo, se funciona quase parando?
Aqueles que disseram: “você é suscetível, covarde, fogo de palha”. Aqueles que demonstraram: “patético você. Incapaz das coisas que aprendemos em nossos primeiros anos aqui na Terra”. Aqueles que insinuaram: “posso brincar com você, e nada me acontecerá”. Aqueles que não aparecem e por isso mesmo se pensa: “não é gente para aqui pisar”. Aquela voz interior – equivocada – que concordava com todas essas malcriações dos fraquinhos. Todos estes calam a boca. Ou continuam falando e não sabem que falam sozinhos agora. O Inferno era sustentado por um mero aquecedor. E ele pifou.
Grande é aquele que não se curva mais ao senso comum para agradar ninguém, pois nenhum benfazejo alheio, por mais que se agregue, inclusive, todos eles, resulta em coisa melhor do que o benfazejo próprio. A segurança e o destemor do ser superior.
A quanta cretinice e auto-humilhação foi submetido um ser que isolado faz da civilização uma entidade fantasmagórica, em contraste à potência de si. Aqueles que pensaram que a burocracia poderia enredá-lo... Aqueles que o subjugam pois o sustentam e dele não querem o amor, querem só o saldo... Aqueles que interpretam que apatia terceira é sinônimo de querer-ser-um-tapete... Aqueles que pensam que há uma contradição diante de si... Todos eles ajudaram a fazer o Inferno, no entanto sem perceber. Pois se houvessem de perceber, saberiam que ele emperrou. Não sabem e vão prosseguir. Contudo, o mesmo golpe sujo e extremamente baixo não poderá ser aplicado com êxito duas vezes no ser superior. Finalmente ele atingiu sua robusteza mental. Coitadinhos dos outros...
(Quinta-feira , 01 de Março de 2007)