Fotografia © Ana Ferreira



SILENCIOSA RESPOSTA

Do alto dos meus nove anos abismei,
pela primeira vez,  um olhar sobre o mar.


Foi um olhar trêmulo, mas forte. Na imensidão
me decantei  e para sempre me encantei.
 

Soprava forte a ventania, a minha praia foi varrida
e a areia feriu fortemente os meus olhos...
 

Ainda pude alisar uma cintilante concha entre os dedos
que até hoje carrego no bolso como se fosse precioso segredo.
 

Vez ou outra esfrego-a com mil cuidados,
mas o gênio nunca saiu do seu interior.
 

Do alto dos meus nove anos, rainha do promontório,
ousei bem alto gritar:  mar, marrrrrrrrr!
 

Nenhuma palavra de volta. O mar não respondeu.
Nem o meu eco ouvi, levado que fora pela ventania...
 

Reuni todas as minhas forças e gritei, o mais alto que pude,
todos os temores infantis: mar, marrrrrr!


Gritei uma, duas, muitas vezes. Não houve resposta. 
Apenas o silêncio me respondeu e ao silêncio me habituei.


Sobre as rochas, sob a  pouca luz que ainda restava
daquele final de tarde me deitei.


E esperei do mar a resposta que aprendi a ouvir em silêncio.
Ouvi e esperei. Voltei a ouvir e dormi.


Ainda hoje lanço as minhas palavras ao mar
e os temores da vida adulta que insistem em me acompanhar.


E o mar, em sua resposta silenciosa, fala um idioma que apenas
eu ouço: estou aqui, estou aquiii, aquiiiiii, aquiiiiiiiiiii!

 

©  Ana Flor do Lácio





 
Ana Flor do Lácio
Enviado por Ana Flor do Lácio em 16/10/2017
Código do texto: T6144568
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