Novo patamar
O que faz o calor do sol sobre a pele é requadrar-me no microcosmo. Amarela e quente, é o mesmo tempo um aconchego e alarme a maneira como a ordinariedade da vida vai se sedimentando nesses pequenos espaços. Subo as escadas por dentro de mim e alcanço este novo patamar de incerteza. Fico pensando na impossibilidade - a mesmo que nego todos os dias em que aqui permaneço - que é viver à beira do abismo. Tenho medo e um pouco de esperança, e volta e meia quero que a morte se adiante, pois o desatino de passar é insolvível.
Outro dia, confessando-me ao breu do meu quarto, expressei a vontade de sentido. É engraçado que uma palavra assim, sentido, um particípio e ao mesmo tempo um substantivo, possa expressar praticamente toda a ausência constituinte de minha humanidade. Nesses dias, não é raro que eu sublime as palavras numa tentativa de negociação. Isso tem evitado minha morte, não só a poética. Fica martelando em minha mente que as coisas por que sofro são mundanas. Essa palavra traduz tudo! Mundano. Como pode um sofrimento ser tão distinto por sua miudeza e não por seu vulto? Anoiteço.
Lembro da casa fria e silenciosa quando abro a porta ao final do dia, lembro da luz amarela no fim da rua e da conversa longínqua que ouço no corredor do meu apartamento. Ligo a TV, que não assisto, enquanto borbulha numa panela um molho vermelho para um só. No tempo em que a comida apronta, fico pensando em um ou outro poema a quem possa atribuir autor. Falho bastante. Quando acerto, é Adélia Prado, Carlos Drummond, ou algum desses moderníssimos não-rimadores de minha afeição.
Outro dia cai na real e entendi uma coisa avassaladora: dei por mim que, ao contrário do que dizia, Adélia não é minha deusa. Adélia teve sempre tudo! Seu choro desentendi. Suas agruras me estranharam demais, por isso, eu chorei. Meu Deus, como chorei aquele dia. Não havia mais ninguém para arrebatar-me. Fui dormir cedo com o verso me dizendo: “Louvado seja Deus, meu Senhor; Porque o meu coração está cortado a lâmina ...". Luto!
Essa é uma outra palavra polissêmica, abestada. Não é como o faço todos os dias? Não é como o sinto todos os dias? É uma loucura isso, essa morte habitando dentro de mim, essa persistência em face do caos originário. Quisera fosse um problema prático, pois assim resolveria praticamente também.