Não há o que falar e não tenho rosto
 
Estava falando do alto, não daquela escadaria que leva ao paraíso ou da asa do avião, além. Alto o bastante para fugir dos ouvidos dos deuses, eu estava falando comigo mesmo sobre como deixei cada partícula da minha alma queimar, queimar até restar apenas cinzas sobre uma sepultura vazia.

Não era um sonho, porque não havia mais nuvens e meus olhos estavam incapazes de fazer chover. Não era pesadelo, inconstância dos delírios ébrios, alucinógenos. Era além, algo que vinha como um frio e terminava percorrendo o fio da espinha dorsal como uma chama flamejante. Vomitei todas palavras lá do alto da minha mente e o que restou além da fumaça que circundava meus lábios no inverno cinza de julho? Você até pode acreditar ter muito, mas muito nunca vai ser o suficiente.

Eu tenho as pálpebras queimadas pela nevasca de alguma cidade que adormece abaixo de zero grau, meus dedos se tornaram rígidos desde a última avalanche. Eu não sonho mais, tampouco posso continuar escrevendo. Sonhadores acumulam universos, e o que me resta além dos resquícios do que fui? Não há nuvens para pisotear enquanto o vento sopra do leste, toda dor que emana das cicatrizes se tornaram lembranças vagas
de um ser de carne e osso.

Sou um homem feito de cinzas, e não há esboço capaz de delimitar o que restou do meu corpo. Visto estas camadas de fantasmagorias porque não há o que falar e não tenho rosto.

O rastro do cego deixou marcas na terra,
Mas haviam me decepado os pés
Quando o mundo começou a ruir.
Larissa Prado
Enviado por Larissa Prado em 09/10/2017
Reeditado em 09/10/2017
Código do texto: T6137894
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