pelas janelas da barca
o mar pelas janelas da barca mal se vê. só se vê de longe o que é tão próximo, como um paradoxo dessas janelas pequenas, a lembrar olhos cerrados. o mar que mal se vê é cinza como chumbo e dele se veem brotar as pernas da ponte, como uma lacraia atravessando uma poça de água suja. o barulho do motor e a trepidação lembram a respiração de um bicho, que atravessa o mar meio cansado levando parasitas em sua carcaça. de longe os guindastes parecem insetos, louva-a-deus, prontos pra mexer seus braços mecânicos e carregar estômagos de navios com contêineres, parasitas a serem levados por aí, cortando o mar cinza-chumbo. já perto do destino cruza o céu um inseto branco, alado e barulhento, pra pousar do lado esquerdo, rápido e duro como um besouro. ao redor o mar chumbo é como uma bacia de cinzas de uma fogueira queimando há séculos; pelas pequenas janelas da barca mal se vê.